Ao
abordar temas contemporâneos com sensibilidade, humor e inteligência, o poeta CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE aprofundou
as propostas do modernismo. Nascido em 31 de outubro de 1902, em Itabira (MG), formado
em farmácia, profissão que nunca exerceu, é aclamado por muitos críticos como o
maior poeta brasileiro, com suas composições caracterizadas quase sempre pelo
verso livre e pelo uso de linguagem coloquial. A universalidade e a
profundidade de sua obra levaram o crítico Otto Maria Carpeaux (1900-1978) a
considerá-lo o “poeta público” do Brasil e a se tornar uma referência para
muitos escritores – sua poética marcou profundamente a vida cultural
brasileira, afirma Heitor Ferraz (CULT, 1999, p. 60)
Ao
lado do poeta Emílio Moura (1902-1971), fundou o periódico modernista A Revista, em 1925, que durou apenas
três números. Em 1930, publicou Alguma
Poesia, o primeiro livro, que teve edição de 500 exemplares, paga pelo
autor, seguido por Brejo das Almas,
considerados da primeira fase do autor, a irônica ou gauche. Dada a proximidade com o primeiro momento do modernismo,
Drummond explora as contradições resultantes do choque entre a modernização e
as marcas renitentes do Brasil pré-burguês. Ou pré-moderno. “O mundo moderno
nasce sob o signo da fragmentação e a estrutura poética já não permite a
linearidade de uma narrativa poética”, assegura Eduardo Dall’Alba (1963-2013) em
Drummond, leitor de Dante (1996, p.
19). Em Brejo das Almas, embora mantenha o tom do primeiro, revela “certa
consciência da crise resultante da polarização ideológica dos anos 1930, que
vai demandar dos intelectuais um alinhamento político”, mas que antecipa a
mudança de rumo a partir de Sentimento do
Mundo, de 1940, quando o poeta é impactado pelo Rio de Janeiro, onde irá
trabalhar como chefe de gabinete do Ministro da Educação, Gustavo Capanema –
que conhecera no período de internato no Colégio Arnaldo, em sua adolescência
em Belo Horizonte – e adotará a lírica social em seus versos, evidenciando a
situação do indivíduo diante da multidão, na primeira metade do século XX (http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa12894/carlos-drummond-de-andrade).
Doze anos depois, Poesias (1942) o
torna nacionalmente reconhecido, tanto pelo público quanto pela crítica
especializada – é o editor José Olympio o primeiro a se interessar pela sua
obra.
No
livro Vários escritos, o crítico
literário Antonio
Candido (1918-2017) define o cerne da poética drummondiana
pelas inquietudes – na "frequência das alusões à náusea, à
sujeira, ou o mergulho em estados angustiosos de sonho, sufocação e, no caso
extremo, sepultamento" (1970, p. 72). É, talvez, a capacidade do poeta em deter
“a aguda percepção de um intervalo entre as convicções e a realidade: aquele
hiato entre o parecer e o ser dos homens e dos fatos que acaba virando matéria
privilegiada do humor, traço
constante da poesia de Drummond” com igual capacidade de distanciamento, de
acordo com Alfredo Bosi em História
concisa da literatura brasileira (2000, p. 441).
A fase
intensa do “poeta público”, nominado por Carpeaux (Origens e Fins, 1943), ocorreu com a Rosa do Povo, livro escrito durante a Segunda Guerra Mundial e
publicado em 1945, que, ao contrário dos acontecimentos históricos, que “são
datados e seus efeitos parecem ter se fixado na contingência de uma época
determinada, a angústia que poreja das experiências do homem e a consciência do
peso desses acontecimentos na vida são eternizados na lírica de Drummond”,
afirmam as pesquisadoras Ivana Ferrante Rebello e Valéria Daiane S. Rodrigues,
em artigo publicado na revista mineira Ipotesi
(2014, p. 77-89, v. 18, n. 2). Mas é a partir de Claro enigma (1948-1951) que o desencanto determina a obra do
poeta, em poemas “escritos sob o signo do não”
(BOSI, 2000, p. 441). Nele estão reunidos alguns dos maiores poemas de
Drummond, como “A máquina do mundo” (depois revisto por Haroldo de Campos em “A
máquina do mundo reinventada”, em 2000).
Drummond
teve outras duas “fases” – a da poesia objetualista (1962) e a memorialista, da
série Boitempo, em que a cidade natal, Itabira do Mato Dentro, passa a ser
matéria única e exclusiva. Em 2018, José Miguel Wisnki publica Maquinação do mundo – Drummond e a mineração,
em que faz um estudo da relação do poeta com sua cidade e com o mundo.
Grande
parte de sua obra foi traduzida para o espanhol,
inglês, francês, italiano, alemão, sueco, tcheco e outras línguas, mas
Drummond foi também tradutor, vertendo para o português obras como Dona Rosita, a Solteira, de Federico
García Lorca (1898-1936), pela qual recebe o Prêmio
Padre Ventura, do Círculo Independente de Críticos Teatrais, As Relações Perigosas, de Choderlos de
Laclos (1741-1803), Os Camponeses, de
Honoré de Balzac (1799-1850), A Fugitiva,
de Marcel Proust (1754-1826), e Artimanhas
de Scapin, de Molière, encenada no Teatro Tablado, do Rio de Janeiro, e
ganhadora de mais um Prêmio Padre Ventura.
As crônicas foram reunidas pela primeira vez
em 1944, no livro Confissões de Minas.
Depois, elas tiveram continuidade nas páginas de diversos jornais, entre eles o
Correio da Manhã (entre 1954 e 1969, coluna
intitulada “Imagens) e o Jornal do Brasil
(de 1969 a 1984, do qual se despede com a crônica “Ciao”), além de outras
compilações. As crônicas, segundo escreve Affonso Romano de Sant’Anna no artigo
“O erotismo nos deixa gauches?”,
habituaram o leitor com tons “ironicamente suaves”, que podiam vê-lo “como o
velho poeta meio tímido e simpático” (2003, p. 231).
É
importante lembrar que ele foi também grande prosador (cronista, contista e
ensaísta). Seus mais importantes livros no gênero, como Passeios na
Ilha (1952), tendem a
repassar a mesma matéria dos livros de poesia que lhes são contemporâneos, só
que num menor grau de tensão, como é própria da natureza distendida da prosa,
segundo observa Antonio Candido. A estreia na prosa de ficção é com Contos de Aprendiz (1951).
Recebeu,
ainda, os Prêmios Fernando Chinaglia, da União
Brasileira de Escritores, e Luísa Cláudio de Sousa, do PEN Clube do Brasil,
pelo livro Lição de coisas (1963), o Prêmio
de Poesia da Associação Paulista de Críticos Literários (1974), o Prêmio
Nacional Walmap de Literatura, mas recusou, por motivo de consciência, o Prêmio
Brasília de Literatura, da Fundação Cultural do Distrito Federal. (1975), os Prêmios Estácio de Sá, de jornalismo, e
Morgado Mateus (Portugal), de poesia (1980); em 1983 recusou o Troféu
Juca Pato.
Em 1982, ano do 80º aniversário do poeta, foram realizadas
exposições comemorativas na Biblioteca Nacional e na Casa de Rui Barbosa, no
Rio de Janeiro. Os principais jornais do Brasil publicam suplementos
comemorando a data. Naquele ano, recebeu o título de Doutor honoris causa pela
Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Cinco anos depois, em 31 de janeiro, escreveu seu último poema, "Elegia
a um tucano morto", que integrou Farewell,
o último livro organizado por ele.
A
escola de samba Estação Primeira de Mangueira homenageou Drummond com o
samba-enredo No Reino das Palavras, vencedor do Carnaval carioca de 1987. Em agosto
daquele ano, no dia 5, depois de dois meses de internação, morreu sua filha
Maria Julieta, vítima de câncer. "E assim
vai-se indo a família Drummond de Andrade", teria comentado o poeta. O
estado de saúde do poeta piorou, e Drummond morreu menos de duas semanas
depois, em 17 de agosto, de problemas cardíacos. Está
enterrado no mesmo túmulo que a filha, no Cemitério São João Batista do Rio de
Janeiro.
O poeta, segundo Nelson Ascher, que transcendeu “sem negar
seu primeiro e relativamente acessível modernismo”, alcançou as alturas. “Drummond,
não menos que [Fernando] Pessoa ou qualquer outro dentre os grandes, tornou-se
vários poetas, ou melhor, um poeta múltiplo, cujo legado seus contemporâneos
mal começaram a avaliar” (CULT, 1999, p. 69).
Em 1990, o Centro
Cultural Banco do Brasil (CCBB) organizou uma exposição comemorativa dos 60
anos da publicação de Alguma Poesia. Em
1992 foi editado O amor natural, de
poemas eróticos, organizada pelo autor, com ilustrações de Milton Dacosta e
projeto gráfico de Alexandre Dacosta e Pedro Drummond, que foi publicado em
Portugal em 1993 e mereceu o Prêmio Jabuti pelo melhor livro de poesia daquele
ano. Outras homenagens foram feitas nos anos posteriores, entre elas o lançamento
de um selo postal, o lançamento de Drummond
na era digital, publicação de uma pequena antologia em cinco idiomas sob o
título de Alguma Poesia, no World
Wide Web, Internet, na data de seu 93º aniversário, juntamente com o CD-ROM CDA-ROM, em que o autor recita 40
poemas, uma iconografia baseada na coleção de fotografias do poeta, entrevistas
em vídeo e um curta-metragem. Em 1998, foi inaugurado o Museu de Território
Caminhos Dummondianos em Itabira, e, no dia 31 de outubro daquele ano, foi inaugurado
o Memorial Carlos Drummond de Andrade, projeto do arquiteto Oscar Niemeyer, no
Pico do Amor da cidade de Itabira, que o homenageou ainda mais com a outorga da
Medalha do Sesquicentenário da Cidade, in
memorian.
(A
partir de ASCHER, 1999; BOSI, 2000; CANDIDO, 1970; DALL’ALBA, 1996; DRUMMOND,
1984; GLEDSON, 1981; SANT’ANNA, 2003; WISNIK, 2018; FERRAZ, 1999; http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa12894/carlos-drummond-de-andrade;
https://guiadoestudante.abril.com.br/estudo/carlos-drummond-de-andrade-biografia-do-poeta/;
http://www.ovetor.com.br/portal/drummond-e-seu-tempo-a-situacao-do-individuo-no-espetaculo-da-multidao/;
https://www.recantodasletras.com.br/biografias/1028817;
http://www.ourosobreazul.com.br/editora_catalogo_detalhe.asp?idl=19)
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