Ele fez parte de um grupo de poetas que se
destacou na segunda metade do século XX – o período da história literária
brasileira “mais fértil depois do movimento modernista”, no entender de
Benedito Nunes (in 1977, p. 8) –, por, entre outras coisas, ter respondido à
altura aos desafios culturais e sociais de sua época – marcada pelas propostas
desenvolvimentistas de ondas nacionalistas de Juscelino Kubitschek (1902-1976).
Nascido em 22 de outubro de 1930, o ensaísta, tradutor, jornalista e poeta-crítico
MÁRIO FAUSTINO publicou apenas um
livro de poemas em vida, O homem e sua
hora (1955), mas, “homem de seu tempo, intrigante, rebelde, crítico e
poeta”, para ele “a experiência poética sempre foi indissociável de sua
vivência, embora, como categoria existencial pura, o vivido oponha-se ao
escrito, que ele alimenta”, no entender de Lilia Silvestre Chaves (2005, p.
165),
entre 23 de setembro de 1956 e 1º de novembro de 1958 dirigiu a página “Poesia-Experiência”,
criada por ele, no “Suplemento Literário do Jornal
do Brasil, no Rio de Janeiro, onde construiu um painel crítico da poesia
internacional do século XIX e da primeira metade do século XX.
O homem e sua hora e outros poemas, de
2002, organizado por Maria Eugênia Boaventura, agrega à obra do poeta,
publicada em 1955, outros textos reunidos em Fragmentos de uma obra em
processo (1958-1962) e Esparsos e inéditos (1948-1962),
além de leituras da organizadora e de Benedito Nunes, crítico e amigo do poeta.
“O poema-título desse livro, com o qual termina, aponta para a conciliação entre
o velho e o novo, entre o clássico e o moderno, pondo em cena, dentro da
oposição do paganismo com o cristianismo nele aberta, o conflito entre vida
(esta como amor, sexo e conhecimento) e linguagem, apaziguado e conciliado na e
pela própria poesia”, observa Nunes (in FAUSTINO, 2002).
Faustino aproximou-se dos concretistas por
intermédio do jornalista e poeta José Lino Grünewald (1931-2000). “Foi
categórico em relação à sua posição estética, que tinha objetivos e matrizes
formadoras opostas”, de acordo com Maria Eugênia (2002, p. 42). Em 1957, o
“Suplemento” iria aderir ao concretismo, teorizado pelos irmãos Haroldo de
Campos (1929-2003) e Augusto de Campos e Décio Pignatari (1927-2012), de São
Paulo, e encampado, no Rio de Janeiro, por Ferreira Gullar (1930-2016) e
Reynaldo Jardim (1926-2011), que, como diretor, inovou a parte gráfica em
benefício da composição estética. O “Suplemento” passou a estampar versos
“espaciais” que causavam exasperação entre os conservadores.
Faustino não aderiu de primeira hora nem de corpo
inteiro ao movimento, embora respeitasse a cultura e probidade de seus mentores
– nos poemas “Cavossonante Escudo Nosso” e “Ariazul” percebe-se alguns
procedimentos concretistas, como a exploração sonoro-semântica das palavras.
Foi, nas palavras de Ivan Junqueira, “simpático ao movimento” (1993, p. 352). Nas
páginas de “Poesia-Experiência” travou-se os principais debates sobre o
movimento e ele escreveu um artigo de página inteira, “A Poesia Concreta e o
Momento Poético Brasileiro” (FAUSTINO, 1997, p. 209), que, “pela sua coragem e
agudeza de análise, permanece, até hoje, significativamente como um dos mais
avançados patamares de crítica literária objetiva”, completa o poeta e tradutor
Ivo Barroso (2013).
Nas páginas do JB, o “jovem poeta piauiense radicado em Belém, que logo
em seguida se transformaria num dos maiores críticos literários do país”
(BARROSO, 2013) apresentava poetas clássicos e iniciantes a
fim de atualizar a discussão sobre a poesia brasileira, levando em conta a
produção estrangeira da época e a melhor tradição internacional, “armado de
aguda consciência crítica”, segundo Nunes, “sem nenhuma espécie de servilismo
intelectual ou de enfeudamento ideológico”, na introdução do livro do mesmo
nome publicado pela Perspectiva (in 1977, Coleção Debates). Escrita em
linguagem clara e acessível, ele mostrava porque a leitura dos grandes poetas
ocidentais era fundamental para enriquecer a própria linguagem e renovar a
língua, imprescindível àqueles que pretendiam se dedicar à poesia. “O impulso
para seu exercício crítico partia da vontade de colaborar em prol do
revigoramento do gênero”, resume Boaventura (in Faustino, 2003, p. 16).
A página estava dividida em seções. Entre
elas, pode-se destacar “É preciso conhecer”, “Fontes e correntes da poesia
contemporânea” e “Pedras de toque”. Ao apresentar os poetas, Faustino fazia acompanhar
a publicação, na íntegra, dos poemas originais e as respectivas traduções.
Nessas seções, entre muitos outros, foram traduzidos poemas de Antonin Artaud
(1896-1948), Charles Baudelaire (1821-1867), e. e. cummings (1894-1962), Emily
Dickinson (1830-1886), Ezra Pound (1885-1972), Lautréamont (1846-1870), Miguel
Hernández (1910-1942), Dylan Thomas (1914-1953), Stéphane Mallarmé (1842-1898),
Virgílio (70 a.C.-19 a.C.), Góngora (1561-1627), Homero (928 a.C.-898 a.C), François
Villon (1431-1463), John Keats (1795-1821), William Blake (1757-1827) e Walt
Whitman (1819-1892). Faustino traduzia diretamente do espanhol, francês,
inglês, italiano e alemão, e, em 1985, a Max Limonad publicou Poesia Completa Poesia Traduzida, mas a
previsão da Companhia de Letras do volume, completo, correspondente às
traduções, não saiu, nem o correspondente às antologias (é possível encontrar De Anchieta aos Concretos, 2003, e Artesanatos de Poesia – Fontes e Correntes
de Poesia Ocidental, 2004, além dos Melhores
Poemas, pela Global, de 1985)
Para Faustino, “o poeta tem de ser aquele que
projeta um futuro melhor, graças a um raciocínio utópico, que mostra
habilidade no exercício de síntese objetiva e de análise particular da
realidade, que possui uma visão totalizante do mundo, consciência crítica, e
está imbuído do espírito de sua época – a isto somadas as questões do bem e do
belo”, conforme pontua a crítica literária Mariana Ianelli, no artigo “O
projeto Poesia-Experiência de Mário Faustino”, publicado na revista paulista Olho d’água (2010, p. 74).
Em fins de 1959, decepcionado com os rumos
tomados pelo suplemento, desistiu da militância literária e passou a dedicar-se
exclusivamente à redação e ao editorial do jornal. Porém, segundo Barroso, “Os jovens
poetas de minha geração tudo devem a Mário Faustino. Foi ele quem nos ensinou a
encarar a poesia como algo sério, algo comprometedor; a considerar como uma das
necessidades do poeta o conhecimento de línguas e literaturas estrangeiras; a
desenvolver uma avaliação crítica sem a qual iríamos sempre passar de
diluidores” (2013).
No
final da década de 1950, Mário Faustino lecionou na Escola de Administração
Pública da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Em 1953 foi chefe da Seção de
Divulgação da Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia
(hoje, SUDAM), e em 1960, depois de ter desistido de “Poesia-Experiência”, exerceu
o cargo de diretor adjunto do Centro de Informação Pública da ONU, onde ficou
até 1962. De volta para o Brasil, assumiu o cargo de editor-chefe da Tribuna da Imprensa, que havia sido
comprado pelo JB; em seguida, voltou
a Nova York, como correspondente internacional – mas não chegou ao destino, foi
uma das vítimas fatais do choque do voo número 810 da Varig com as montanhas,
quando sobrevoava o Peru; morreu cedo, em 27 de novembro de 1962. Em tempo: Chaves
lembra que “inúmeros versos repetem a
fixação na morte prematura, no tempo breve, na própria metamorfose, delicada e
atroz imagem de movimento”; bem assim: “A sua poesia continua sempre fluindo,
indo, partindo” (CHAVES, 2005, p. 170-171).
(A
partir de BARROSO, https://gavetadoivo.wordpress.com/tag/poesia-experiencia/,
2013; BOAVENTURA, 2002, 2003; BOSI, 2000; CHAVES, 2005, v. 9; IANELLI, 2010; JUNQUEIRA,
1993; NUNES in FAUSTINO, 1993, 1977, 2002; FAUSTINO, 1977; https://dicionariodetradutores.ufsc.br/pt/MarioFaustino.htm;
http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa2844/mario-faustino)
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