Em
18 de junho de 1951, ocorreu a PRIMEIRA
EXPOSIÇÃO INTERNACIONAL DE HISTÓRIAS EM QUADRINHOS (ou Primeira Exposição
Didática Internacional de Histórias em Quadrinhos) realizada no Brasil, na sede do Centro de Cultura e Progresso, no bairro paulista de Bom
Retiro. O
jornalista Álvaro de Moya (-2017), o desenhista Jayme Cortez (1926-1988), o
editor Miguel Penteado, o editor, produtor gráfico e roteirista Reinaldo de
Oliveira (1928-1999) e o roteirista/novelista Silas Roberg (?-1971) foram os
responsáveis pela mostra, considerada pioneira em termos internacionais. Segundo o jornal O Globo que circulou no dia da
inauguração do evento, “a iniciativa não tem finalidade de lucro. A exposição
tem caráter elucidativo, didático, técnico, artístico, guardando, porém, a
devida acessibilidade ao público”1.
A
preocupação dos organizadores era tratar as histórias em quadrinhos como fonte
legítima de apreciação artística. Para isso, promoveram a exposição, palestras,
intervenções na imprensa e garantiram a presença de desenhistas internacionais
(MOYA, 1977). Nos Estados Unidos, a Sociedade da Justiça da América, que era
veiculada em All Stars Comics deixava
de ser publicada – que confirmaria, segundo alguns, o início do declínio da
popularidade dos super-heróis; para a Timely Comics (depois Marvel Comics), o
fim da Era do Ouro havia ocorrido um ano antes, quando fora cancelada a série Captain America Comics no número 75
(fevereiro de 1950). O declínio tem a ver com as denúncias contidas no livro Seduction of the Innocent, do psiquiatra
alemão radicado nos Estados Unidos, Fredric Wertham (1895-1981), que criou um
clima desfavorável para as revistas e deu origem ao Comics Code Authority (leia
mais na sequência).
Aparentemente
alheios a isso, os promotores da exposição apresentaram vários originais de
autores de tiras publicadas em jornais: Alex Raymond (1909-1956), de Flash Gordon; Milton Caniff (1907-1989),
de Terry e os Piratas; Hal Foster
(1892-1982), de Tarzan e O Príncipe Valente; e Al Capp
(1909-1979), de Ferdinando; e se os
super-heróis passavam a conhecer o ocaso, faltaram os quadrinhistas
brasileiros. Embora houvesse movimento nas pequenas editoras e gráficas
brasileiras, que começavam a publicar, principalmente, revistas de terror,
impulsionadas pela censura promovida pelas autoridades estadunidenses naquele
país. Aliás, “o terror era perigoso, polêmico e, além do mais, produzido por
profissionais brasileiros que insistiam em serem pagos em dia”, comentam Patati
e Braga. “As HQs realistas de terror realizadas por autores brasileiros ou
estrangeiros aqui radicados eram da maior qualidade”, asseguram (2006, p. 194).
Do
ilustrador Alfredo Storni, vindo de
Uruguaiana (1881-1966), com o casal “Zé Macaco e Faustina”, passando pelo filho
Oswaldo Storni (1909-1972), que abandonara os quadrinhos antes do final da
década de 1940, mas que ilustrou Erico Verissimo e criou o personagem
Pernambuco, o Marujo; pelo múltiplo Max Yantok (pseudônimo de Nicolau Cesarino,
1881-1964), criador da dupla Pipoca e
Kaximboun, em 1908; pelo pintor, caricaturista e ilustrador Francisco
Acquarone (1898-1954), que publicou as histórias de João Tymbira em Redor do Brasil, em 1938; por José Lanzelotti (1926-1992) – com Raymundo, o Cangaceiro, o ponto alto, em
1953 –; Flávio Colin (1930-2002), “o
melhor estilista que os quadrinhos brasileiros já tiveram”, segundo Goida
(1990, p. 78); Julio Shimamoto (1939-), na época integrando a equipe da
editora La Selva; pelo incomparável J. Carlos (José Carlos de Brito e Cunha,
1884-1950) – que produziu nada menos de 50 mil desenhos2, que soube
“captar a paisagem tropical, o burburinho suburbano, a conversa de muro e
também o sofisticado ambiente urbano” (BIBE-LUYTEN, 1987, p. 66) e, ao lado dos
caricaturistas K. Lixto (1877-1957) e Raul Pederneiras (1874-1953) formou “a grande
trindade da caricatura brasileira contemporânea”3 –; por Luiz Sá (1907-1979),
de Reco-Reco, Bolão e Azeitona (em O
Tico-Tico); e pelo roteirista Rubens Francisco
Lucchetti (que, no cinema, ganhou o prêmio de Melhor Roteiro no festival de
Gramado, em 1982). Esses nomes, ressaltam Patati e Braga, “deixaram suas
marcas”, embora em muitos casos, “só sejam lembrados quando alguém abre um gibi
amarelecido pelo anos” (2006, p. 194). Além deles, dos italianos Eugênio
Colonnese (1929-2008) e Nico Rosso (1910-1981) – de O estranho mundo de Zé do Caixão, com Lucchetti –, e o argentino
Rodolfo Zalla (1931-), que deixavam suas
primeiras marcas em revistas como O Terror Negro (da editora de La Selva e inspirada
na estadunidense The Black Terror) e
outras publicações das editoras Taika (antes, Outubro; ainda antes,
Continental), Prelúdio (depois Luzeiro) e a Editora de Revistas e Livros (Edrel)
e em diversos jornais em todo o país.
“Fazer quadrinhos e publicá-los”, na
época, “exigia muito mais espaço e investimento nos meios de comunicação”
(BIBE-LUYTEN, 1987, p. 68) e, ao mesmo tempo, havia uma espécie de engajamento em torno da defesa
do quadrinho nacional e de sua moralização como uma resposta às duas espécies
de publicações que muitos roteiristas e quadrinhistas consideravam perigosas:
as publicações estrangeiras, com seu baixo custo; e as HQ de terror e violência
que, se por um lado chamavam a atenção de uma fatia significativa do mercado,
por outro alimentavam a ira de grupos conservadores que denunciavam os quadrinhos
como literatura subversiva e danosa à sociedade (GOMES, s/d.). Fundada em 1935 pelo italiano Vito
Antônio La Selva (1900-1968), a editora La Selva passou a publicar quadrinhos de
terror em julho de 1950 – que eram bastante criticados pelo jornalista Carlos Lacerda (1914-1977), que
escrevia para o jornal Tribuna da
Imprensa e afirmava que tais revistas eram má influência para as crianças. Mas
a crítica, no período, não se restringia ao território brasileiro – nos Estados
Unidos, os títulos de terror foram os principais alvos de jornalistas e
psiquiatras. Enquanto o mercado nas décadas de 1950 e 1960 consolidavam-se como
nicho cultural lucrativo, continuava a progressiva perseguição ideológica às
HQs.
Na década seguinte, ações
políticas e empresariais se intensificariam em reuniões de grupos com nomes
relacionados aos quadrinhos, que discutiriam a viabilidade de propostas em
defesa do quadrinho produzido no Brasil. O presidente Jânio Quadros (1917-1992)
assumiu em 1960 e mostrou-se sensível às reivindicações; mas a estratégia
fracassou dada a renúncia de Quadros. Em 1961, as grandes editoras cariocas – EBAL, Rio Gráfica Editora,
Abril, Record e O Cruzeiro – criaram o Código de Ética dos
Quadrinhos, a versão brasileira do Comics Code Authority, tendo como base o
código americano e os "Mandamentos das histórias em quadrinhos" da
EBAL. Tais mandamentos foram criados por Adolfo Aizen (1907-1990) ainda em 1954, e pretendia regular a
produção de HQ, como uma forma de autocensura que indicava ao leitor quais
revistas seriam apropriadas para leitura e quais veiculariam conteúdo impróprio
– ou seja, aquelas que não apresentavam o selo do código de ética. O selo só
passou a entrar em circulação em novembro de 1961 mas mostrou-se esvaziado desde
sua veiculação inicial (GOMES, s/d.).
Outras duas iniciativas no mercado editorial de quadrinhos na década de
1960 merecem atenção. A primeira delas foi a inauguração, em fevereiro (ou julho?)
de 1962, da Cooperativa Editora de Trabalhos de Porto Alegre (CETPA). Planejada
desde 1961 por José Geraldo (1924-?), que era presidente da Associação Brasileira
de Desenhistas (ABD), contou com apoio direto de Leonel Brizola (1922-2004). A
CETPA pretendia implantar no Brasil um modelo de distribuição de HQs e outros
formatos a ela ligados na época – como álbuns de figurinhas e revistas infantis
– para todo o Brasil, nos moldes dos syndicates estadunidenses. A
segunda iniciativa veio em 1963, quando o presidente João Goulart (1918-1976) apresentou
polêmico projeto de lei (Decreto nº 52.497, de 23 de setembro) estipulando
aumento anual das publicações de HQs e tirinhas de jornal de autores
brasileiros. As grandes editoras brasileiras não foram censuradas, mas se
sentiram lesadas por terem sido excluídas deste debate e entraram com ação
judicial contra esta lei. Com o golpe de 1964, a lei não resistiu às mudanças
políticas e nunca foi aplicada como fora prevista (JÚNIOR, 2004, p. 363-371). Retomando.
Em 1991, 40 anos depois, a história se repetiu com a realização da Bienal
Internacional de Quadrinhos (em 1999 viria a ser o Festival Internacional de
Quadrinhos), superevento que reuniu 400 mil visitantes espalhados em 16 lugares
do Rio de Janeiro, e com a presença destacada (novamente) de artistas
internacionais: Will Eisner (1917-2005), Moebius (Jean Giraud, 1938-2012) e
Sergio Bonelli (1932-2011). Histórias é o que não faltam... (A partir de BARBOSA et al, 2005; BIBE-LUYTEN,
1987; GOIDA, 1990; GOMES, “Uma breve introdução à história das histórias
em quadrinhos no Brasil”, s/d.;
JÚNIOR, 2004; MOYA, 1977, 1993; PATATI, BRAGA, 2006; https://quadrinhos.wordpress.com/tag/reinaldo-de-oliveira/1;
A
revista no Brasil, 20002,3;
https://pt.wikipedia.org/wiki/Bienal_Internacional_de_Quadrinhos)
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