Poeta, ensaísta e tradutora, a inquieta carioca
ANA CRISTINA CÉSAR viveu 31 anos e
fez parte, de acordo com o professor Luís Augusto Fischer, da “geração
rock’n’roll”, ao lado de Wally Salomão e Paulo Leminski, entre outros (2008). O
ensaísta Ivan Junqueira, menos condescendente, entende, num primeiro momento,
que ela fez parte “de toda uma progênie marginalizada” que, por conta e risco,
“se marginalizou ao comungar uma poética [...] que, em certo sentido, nasceu
morta” (1993, p. 307); em outro momento, menos excludente, reconhece que Ana
Cristina César é uma das autoras significativas da geração a que pertence
Francisco Alvim (1938) e Denise Emmer (1958), a geração dos anos 70 (1983, p.
327). Entre uma e outra reflexão/reconhecimento, Alfredo Bosi considera Ana
Cristina “emblemática”, da mesma forma que Cacaso, pseudônimo de Antônio Carlos
Brito (1944-1987), não só por ter desaparecido em plena juventude, mas porque,
“em ambos, o lirismo do cotidiano e a garra crítica, a confissão e a
metalinguagem se cruzavam em zonas de convívio em que a dissonância vinha a ser
um efeito inerente ao gesto da escrita” (2000, p. 487).
O debate em torno da presença poética de Ana
Cristina ganhou corpo quando ela foi postumamente homenageada na 14ª edição da
FLIP – Feira Literária Internacional de Paraty, em 2016. Até 2005, somente
outra poeta, Clarice Lispector, havia ganhado destaque. Durante a FLIP o
público conheceu Inconfissões,
fotobiografia de Ana C., organizada pelo poeta e professor Eucanaã Ferraz, que
ainda em 2010, promoveu o curso “Aos pés de Ana Cristina”.1 Na
ocasião, ele disse: “Ninguém morre no fim”, sobre o procedimento de organização
cronológica invertida do livro-álbum2.
Ela nasceu em 2 de julho de 1958 e morreu
tragicamente em 29 de outubro de 1983. Para além das lembranças familiares, o
acervo literário da poeta, ensaísta e tradutora encontra-se à disposição no
Instituto Moreira Salles (IMS). Lá, os leitores de Ana Cristina podem encontrar
livros, periódicos, revistas de arte e teses de doutorado – tudo catalogado;
mais documentos que incluem anotações de leitura, crítica literária, poemas e
cadernos de notas, correspondências, recortes de jornais e revistas, desenhos,
audiovisuais e provas de impressão de livros. Parte desse material foi
publicado nos livros A teus pés e Inéditos e Dispersos, o primeiro em 1982
(com outras edições), o segundo em 1985. Em 1989, a Ática e o IMS fizeram novas
edições – na busca, a professora Viviana Bosi, da Universidade de São Paulo
(USP), encontrou conjuntos organizados pela poeta, com título e tudo: “Prontos,
mas rejeitados”, “Inacabado”, “Rascunhos/primeiras versões”, “Cópias”, “O
livro” e “Antigos & soltos”; dessa pesquisa resultou o livro fac-similar Antigos e soltos (2008), publicado pelo
IMS, com organização e estudo introdutório da professora.
A poeta formou-se em Letras
pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) em 1975; no
seguinte, foi incluída na antologia 26
poetas hoje, organizada por Heloísa Buarque de Hollanda; estudou na
Universidade de Essex, na Inglaterra, onde morou entre 1979 e 1981, e recebeu o
título de Master of Arts (M.A.) em Theory and Practice of Literary Translation –
que resultou no livro Escritos na
Inglaterra (póstumo, de 1988); sua dissertação de mestrado na Escola de
Comunicação da UFRJ resultou na publicação do livro Literatura não é documento (1980), levantamento de documentários
sobre escritores e movimentos literários do Brasil. Ela mesmo foi
“documentada”: sua curta trajetória já foi contada em vídeos: o cineasta João
Moreira Salles produziu 10 minutos de imagens fragmentadas, “algo que sempre
cerca o real, mas jamais consegue capturá-lo”, como diz Elisabeth Orsini (1990),
quando o compara ao vídeo documentário produzido por Cláudia Maradei, Ana C., com depoimentos de Cláudio
Willer, Reinaldo Moraes, Silviano Santiago e Armando Freitas Filho, curador da
obra da poeta e a quem ela dedica A teus
péus. Aliás, ao apresentar A teus pés,
o escritor Caio Fernando Abreu afirma que o livro “revela [...] um dos
escritores mais originais, talentosos, envolventes e inteligentes surgidos
ultimamente na literatura brasileira” (Brasiliense, Coleção Cantadas
Literárias, nº 8). Vivia “em estado de emergência”, de acordo com a estudiosa
argentina Florência Garramuño3, mas ao se jogar da janela do sétimo
andar de um edifício de Copacabana, Ana Cristina César não levou em conta os
seus méritos literários, entende Orsini. “Solitária, angustiada, ela preferiu
não pagar pra ver como a maioria de seus companheiros”, diz. “O suicídio e
o aspecto confessional de suas poesias acabaram por formar uma aura em torno de
sua figura – o estigma de poeta suicida –, fazendo com que seus textos
passassem a ser investigados, dissecados à procura de senhas ou sinais de sua
intimidade e das razões que a levaram a subtrair sua própria vida”, considera
Daniel José Gonçalves (2008). Indignado com o gesto, Caio Fernando Abreu
escreveu: “Com que direito, Deus, com que direito ela
fez isso? Logo ela, que tinha uma arma para sobreviver – a literatura – coisa que pouca gente tem.”4
Mas
Ana Cristina César deixou um legado, que “é uma escrita nova e
insurgente, escrita de rupturas e transformações, transmutações até. A
subjetividade, o individual e a libido como cosmos, de modo a
cruzar o outro, efêmero e passional, em abraços de fato, com
direção infinita”, lembra Paulo Ricardo Alves, em artigo publicado na revista Cult, na passagem dos 30 anos da morte
de Ana C.5 (A partir de ANA CRISTINA CÉSAR, 1984, 1985, 1993;
FISCHER, 2008; GONÇALVES, 2008; JUNQUEIRA, 1993; ORSINI in Jornal do Brasil, 8 de junho de 1990; ims.com.br/titular-colecao/ana-cristina-cesar/1,3;
www.diariodocentrodomundo.com.br/quem-foi-ana-cristina-cesar-poeta-homenageada-da-flip-2016-por-luisa-gadelha/2;
medium.com/blog-do-book4you/5-curiosidades-sobre-ana-cristina-cesar-e-3-poemas-da-autora-homenageada-da-flip-2016-7cd65f8768494;
revistacult.uol.com.br/home/uma-possivel-ana-cristina-cesar/5)
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