A mineira ADÉLIA PRADO, nascida em 13 de dezembro de 1935, em Divinópolis
(MG), confirmou o seu lugar na literatura brasileira, segundo Augusto Massi, com
O coração disparado, livro premiado
com o Prêmio Jabuti em 1978. Estreou com Bagagem,
em 1976 (na verdade, publicou A lapinha
de Jesus, em 1969, com Lázaro Barreto), e se tornou “uma das vozes mais
importantes da poesia brasileira”.
Depois do livro premiado, publicou uma série
de textos em prosa, intercalados com novas poesias: Solte os cachorros (1979), Cacos
para um vitral (1980), Terra de Santa
Cruz (poesia, 1981 – ano em que é
apresentado, no Departamento de Literatura Comparada da Universidade de
Princeton (EUA), o primeiro de uma série de estudos sobre a obra –,
Os componentes da banda (1984), O pelicano (poesias sobre a comunhão dos
seres, em 1987), A faca no peito
(poesia com temática religiosa e erótica, 1988, mesmo ano em que participa da Semana Brasileira de Poesia em Nova York), O Homem da Mão Seca (1990), Manuscritos
de Filipa (1994), Quero minha mãe (2000), Quando eu era pequena (2006)
– que ganhou o prêmio ABL de Literatura Infantojuvenil em 2007, uma
doce viagem pelas recordações da infância ilustradas por Elizabeth Teixeira, na
apresentação de um mundo maravilhoso de descobertas com a personagem Carmela,
revisitada em Carmela vai à escola
(2011) –, A duração do dia (poesia, 2010), Filandras
(2018). Em todos eles, em prosa ou em poesia o cotidiano, a fé cristã, a
alegria, a sexualidade e a figura da mulher.
Nos contos e nos romances, Adélia mantém a unidade
de sua produção. Numa prosa sempre poética, apresentam-se protagonistas
femininas vivenciando experiências cotidianas que retomam os mesmos temas: a
escrita, a sexualidade, a chegada da velhice e a religiosidade, em um lirismo
muito próprio.
A atriz Fernanda Montenegro levou aos palcos um
conjunto de poemas de Adélia, roteirizado por ela, por Adélia e por Fernando
Torres. A peça, intitulada Dona Doida: um
interlúdio, foi encenada pela primeira vez em 1987 e voltou aos palcos em
2014, com apresentações pelo Brasil, nos Estados Unidos, em Portugal e na
Itália – a atriz ganhou um Molière por sua performance. Em 2000, ocorreu
a estreia do monólogo Dona da Casa,
uma adaptação de José Rubens Siqueira para o livro Manuscritos de
Filipa, e, em 2014, a poeta Elisa
Lucinda encenou A paixão segundo Adélia Prado, com a qual revelou a
noção pagã e sacra do pecado a partir dos poemas da autora mineira.
Em 2020, recebeu o Prêmio Jabuti como Personalidade
Literária. Adélia também recebeu prêmios da Fundação Biblioteca Nacional
(2010), a Ordem do Mérito Cultural do Governo brasileiro (2010), da
Associação Paulista dos Críticos de Arte (2010) e o Prêmio Clarice Lispector
(2016), além de ser a primeira mulher a ganhar o Prêmio Governo de Minas Gerais
de Literatura pelo conjunto da obra em 2017.
* * *
JANELA
Janela,
palavra linda.
Janela
é o bater das asas da borboleta amarela.
Abre
pra fora as duas folhas de madeira à-toa pintada,
janela
jeca, de azul.
Eu
pulo você pra dentro e pra fora, monto a cavalo em você,
meu
pé esbarra no chão. Janela sobre o mundo aberta, por onde vi
o
casamento da Anita esperando neném, a mãe
do
Pedro Cisterna urinando na chuva, por onde vi
meu
bem chegar de bicicleta e dizer a meu pai:
minhas
intenções com sua filha são as melhores possíveis.
Ô
janela com tramela, brincadeira de ladrão,
claraboia
na minha alma,
olho
no meu coração.
* * *
DONA
DOIDA
Uma
vez, quando eu era menina, choveu grosso
com
trovoadas e clarões, exatamente como chove agora.
Quando
se pôde abrir as janelas,
as
poças tremiam com os últimos pingos.
Minha
mãe, como quem sabe que vai escrever um poema,
decidiu
inspirada: chuchu novinho, angu, molho de ovos.
Fui
buscar os chuchus e estou voltando agora,
trinta
anos depois. Não encontrei minha mãe.
A
mulher que me abriu a porta riu de dona tão velha,
com
sombrinha infantil e coxas à mostra.
Meus
filhos me repudiaram envergonhados,
meu
marido ficou triste até a morte,
eu
fiquei doida no encalço.
Só
melhoro quando chove.
* * *
AMOR
FEINHO
Eu
quero amor feinho.
Amor
feinho não olha um pro outro.
Uma
vez encontrado é igual fé,
não
teologa mais.
Duro
de forte o amor feinho é magro, doido por sexo
e
filhos tem os quantos haja.
Tudo
que não fala, faz.
Planta
beijo de três cores ao redor da casa
e
saudade roxa e branca,
da
comum e da dobrada.
Amor
feinho é bom porque não fica velho.
Cuida
do essencial; o que brilha nos olhos é o que é:
eu
sou homem você é mulher.
Amor
feinho não tem ilusão,
o
que ele tem é esperança:
eu
quero um amor feinho.
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