O escritor James Amado (1922-2013), biógrafo
de GREGÓRIO DE MATOS, hesita entre
março de 1623 e dezembro de 1633, sequer aponta o dia. Alguns autores afirmam o
ano, mas não arriscam a data do nascimento do poeta baiano, que por anos ficou
relegado ao esquecimento – não publicou nenhuma coletânea de seus textos em
vida, o que, por muito tempo tornou difícil a identificação de autoria do que
circulava na época.
Para alguns estudiosos, bem lembra Haroldo de
Campos, ele “parece não ter existido ‘em perspectiva histórica’” (1989). Porém,
chegou-se ao consenso que o “Boca do Inferno” nasceu no dia 23 de dezembro de
1633 e tornou-se “uma das maiores figuras de nossa literatura”, como afirmou Oswald
de Andrade em 1945 (in CAMPOS, 1989), “o primeiro ‘grande’ poeta brasileiro”,
segundo Mário Faustino (2003), tendo superado os limites do Barroco
Homem de formação humanística, viveu num
período em que a luta de classes e as crises religiosas faziam parte do
cotidiano. Por um lado, as possibilidades de enriquecimento, do outro, a
Contra-Reforma imprimindo nas pessoas a marca da fé cristã medieval – estado de
tensão contínua na vida, linguagem rebuscada, cheia de inversões e de figuras
de linguagem na literatura. Exímio poeta lírico e religioso, foi a poesia
satírica que o tornou conhecido como “Boca do Inferno”, o que usava versos fora
dos padrões estabelecidos pelo barroco vigente e voltava-se para a realidade
baiana do século XVII, século da exploração portuguesa na colônia.
O poeta baiano enfatizou o uso do decassílabo,
próprio para sátiras e com efeitos burlescos, para, logo adiante, generalizar
(“uns Gregórios de Matos”) pela afoiteza com que usou os versos para comprar
briga com a “gente honrada” (alguma semelhança com os “homens de bem” de hoje)
que frequentava as páginas de revistas literárias como a Niterói (1836), até ser descoberto pelo Romantismo e crescer
lentamente de prestígio, quando ocorreu a edição do primeiro volume de obras
por Vale Cabral, em 1882.
Ele, que dizia que “Ser poeta é uma maldição da nossa língua”, segundo Ana Miranda no romance Boca do Inferno (2013), foi exilado em Angola – voltou doente ao Brasil, impedido de retornar à Bahia. Faleceu em Recife (PE), em 26 de novembro de 1696. Com Gregório, “a poesia voltaria ao povo” (FAUSTINO, 2003), mas demorou para o poeta ser aceito academicamente. Antonio Candido, na clássica obra Formação da Literatura Brasileira, afirma que ele não “contribuiu para formar o nosso sistema literário”, recorrendo a Barbosa Machado (Biblioteca Lusitana) e Ferdinand Denis (Resumo da História Literária do Brasil; Resumo da História Literária de Portugal), que também o ignoravam; Gregório de Matos chegou, inclusive, a ser acusado de plagiar Góngora, Quevedo e Sá de Miranda (FAUSTINO, 2003).
* * *
ADMIRÁVEL EXPRESSÃO QUE FAZ O POETA
DE
SEU ATENCIOSO SILÊNCIO
Largo
em sentir, em respirar sucinto
Peno,
e calo tão fino, e tão atento,
Que
fazendo disfarce do tormento
Mostro,
o que não padeço, e sei, o que sinto.
O
mal, que fora encubro, ou que desminto,
Dentro
no coração é, que o sustento,
Com
que para penar é sentimento,
Para
não se entender é labirinto.
Ninguém
sufoca a voz nos seus retiros;
Da
tempestade é o estrondo efeito:
Lá
tem ecos a terra, o mar suspiros.
Mas
oh do meu segredo alto conceito!
Pois
não me chegam a vir à boca os tiros
Dos
combates, que vão dentro no peito.
* * *
DECANTA OS ESTRAGOS QUE NO BOQUEIRÃO DE
SANTO ANTÔNIO
FAZIA HUM SURUCUCÚ, EM QUEM PASSAVA
DESDE HUMA PEÇA
DESCALVAGADA, ONDE SE RECOLHIA DE DIA.
Acabou-se
esta cidade,
Senhor,
já não é Bahia,
já
não há temor de Deus,
nem
d’El-Rei nem da Justiça.
Lembra-me,
que há poucos anos,
Inda
não há muitos dias,
Que
para qualquer função
De
um crime a prisão fervia.
Iam
por esse sertão
ao
centro de Jacobina
pretender
a algum matador,
inda
que fosse a espadilha.
E
hoje dentro na praça
nas
barbas da Infantaria,
nas
bochechas dos Granachas
com
polé, e forca à vista,
Que
esteja um surucucu
com
soberana ousadia
feito
Parca das idades,
cortando
os fios às vidas:
Com
tantas mortes às costas,
e
que não haja uma rifa
de
paus, que ao tal matador
o
Basto lhe ponha em cima!
É
muito brabo rigor
o
desta Cobra atrevida,
que
esteja na estrada pública
fazendo
assaltos à vista.
Onde
está Gaspar Soares,
que
não vai a espora fita
no
Lazão lançar-lhe a gorra,
e
metê-la na enxovia?
Se
está no mato emboscada,
no
seu mocambo metida,
mandem-lhe
um terço ligeiro
de
Infantes de Henrique Dias
Se
dizem, que está na peça
deem-lhe
fogo à culambrina,
já
que faz peças tão caras,
custe-lhe
esta peça a vida.
Vão
quatro, ou seis artilheiros
cavalgar-lhe
a artilharia,
porque
sendo noite dê
fogo
a toda cousa viva.
Tira
com balas ervadas,
a
que não há medicina,
porque
as traz sempre na boca
com
venenosa saliva.
O
caso é monstrosidade,
porém
não é maravilha,
que
hajam cobras, e lagartos
entre
tanta sevandija.
Só
digo, que é boa peça,
porque
na peça escondida
vela
na peça da noite
dorme
na peça de dia.
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