MANOEL
DE BARROS nasceu em 19 de dezembro de 1916 em Campo Grande, cidade
do interior do Mato Grosso do Sul (MS). Estreou em 1937, com Poemas concebidos sem pecados, antes de se
mudar para o Rio de Janeiro, onde se tornou bacharel em Direito em 1941. No livro, é clara a relação com o Modernismo
de 22 e a “presença” de Mário de Andrade; o Rio de Janeiro continua presente em
A face imóvel (1942). Depois das
publicações, viaja para Nova York, Roma, Paris, Lisboa, Bolívia e Peru
(1943-1945). Poesias, de 1956, pode
ser considerado um divisor de águas – ele recua para um lirismo mais
convencional.
É em Compêndio para
uso dos pássaros (1961) que o poeta consolida seu estilo e o pantanal, sua
flora e fauna, se tornariam o cenário preferido do poeta. O experimentalismo se
torna mais intenso em Gramática
Expositiva do Chão (1969), com o uso intenso de enumerações,
movimento entre os registros narrativo e descritivo, poemas como notas de
rodapé e diálogos entre o poeta e seres animizados. Outra forte característica
de Manoel de Barros é o interesse pelas “coisas inúteis”, que dará o título ao
livro de 1974, Matéria de Poesia.
Este interesse, além da poesia, demonstra uma preocupação social do autor, de
resistência diante da realidade, em comunhão com a natureza, que o público irá
reconhecer, enfaticamente, com O livro
das Ignorãças (1993) e Livro sobre
Nada (1996).
Um de seus temas preferidos é a infância, recurso
para criar imagens ou personagens, ponto de vista e matriz da linguagem
poética, passagem da vida a qual dedicaria o livro Exercícios de ser criança (1999), mas que é perceptível em toda a
obra de Manoel de Barros, composta de mais de 30 livros, alguns com edições na
Alemanha, em Portugal, na Espanha (também em catalão) e na França. Entre 2005 e
2007, foram publicadas as Memórias
Inventadas, volumes I, II e III e, em 2010, a antologia Poesia Completa.
O reconhecimento de sua poesia, de linguagem
simples e insólita, se deu entre as décadas de 1980 e 1990, tendo merecido o
Prêmio da Crítica/Literatura da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA),
o primeiro Jabuti (O guardador de águas,
1989) e o Prêmio Nacional de Literatura do Ministério da Cultura, pelo conjunto
da obra (1998). Ganhou outros, antes, durante e depois, inclusive um segundo
Jabuti, por O fazedor de amanhecer
(2002), um segundo APCA (2005) e o Nestlé de Literatura Brasileira (2006),
ambos por Poemas Rupestres. O cantor
Márcio de Camillo, ainda antes do falecimento do poeta, gravou o CD Crianceiras, com ilustrações feitas por
Martha de Barros, sua filha (os dois filhos, João e Pedro, faleceram em 2008 e
2013, respectivamente).
Em 24 de outubro de 2014 Manoel Wenceslau
Leite de Barros foi internado num hospital de Campo Grande para uma cirurgia de
desobstrução do intestino. No dia 13 de novembro, às 8h05 sua morte foi
decretada, por falência de múltiplos órgãos. No carnaval de 2016 e 2017, foi
homenageado pelas escolas de samba Sossego e Império Serrano – ambas
sagraram-se campeãs.
* * *
O APANHADOR DE DESPERDÍCIOS
Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato
de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.
* * *
O FAZEDOR DE AMANHECER
Sou leso em tratagens com
máquina.
Tenho desapetite para inventar
coisas prestáveis.
Em toda a minha vida só engenhei
3 máquinas
Como sejam:
Uma pequena manivela para pegar
no sono.
Um fazedor de amanhecer
para usamentos de poetas
E um platinado de mandioca para o
fordeco de meu irmão.
Cheguei de ganhar um prêmio das
indústrias
automobilísticas pelo Platinado
de Mandioca.
Fui aclamado de idiota pela
maioria
das autoridades na entrega do
prêmio.
Pelo que fiquei um tanto soberbo.
E a glória entronizou-se para
sempre
em minha existência.
* * *
RETRATO DO ARTISTA QUANDO COISA
A
maior riqueza
do
homem
é
sua incompletude.
Nesse
ponto
sou
abastado.
Palavras
que me aceitam
como
sou
– eu
não aceito.
Não
aguento ser apenas
um
sujeito que abre
portas,
que puxa
válvulas,
que olha o
relógio,
que compra pão
às 6
da tarde, que vai
lá
fora, que aponta lápis,
que
vê a uva etc. etc.
Perdoai.
Mas eu
preciso
ser Outros.
Eu
penso
renovar
o homem
usando
borboletas.
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