janelas de galeano

a vida me conta histórias, me encanta a cada esquina, a cada rua me surpreendo. é contínuo: com as árvores com que me encontro, com as pessoas para as quais dirijo meu olhar. ando ao léu, às vezes indo para o ceu outras em direção ao inferno. a gente pensa. logo, sente angústia. e então é esse oscilar frequente, esse bioritmo, essa sensação sempre estranha - um périplo pela paixão e pela ausência dela. mas, a essência disso tudo repousa na promessa, na insinuação inominada de uma certeza de que tudo vai dar certo. do fundo do coração. o beijo é bom, o abraço é carinhoso, o corpo não é culpa, não é máquina, não é negócio. é só festa, como deve ser. e segue o baile.

assim parecem ser as coisas. pelo menos parecem simples, pelo menos parecem doces, pelos menos assemelham-se àquela bondade infinita que queremos ter, de não pensar mal dos outros, de querer bem a todos, falar com todos, silenciar, ouvir, compartilhar. a noite ainda avança, melhor: recém começa. caem noites dentro da noite e mais noites, noites sem guerras e sem fomes. e a chuva fina toca um blues na vidraça. 'tente passar pelo q estou passando / tente me amar / pois estou te amando...' (pérola negra). o mar, condenado à vida vagabunda, é a origem de todos os nossos sonhos, refluxo, maré alta e nossos melhores sentimentos vindo à tona, não mais náufragos, não mais ilhas, não mais sereias falsas em jardins apopléticos.

as paredes das cidades de todo o mundo - e além dele - amanhecem pichadas a cada nova manhã que suportou uma noite cheia de paixão. basta caminhar pelas ruas da cidade, q não cessa seu movimento, e atentar. atuar na palavra, escrita, dita, imaginada, pensada, para q o pensamento se fixe apenas em coisas que fazem para si e também para os outros. em qualquer escala ritcher q balance as pernas ou estremaça a possibilidade do entendimento. antenar-se para aquela faixa de frequência q nos conecta ao horizonte, motriz da utopia, das utopias. mesmo quando ela diz q teme não ver mais as coisas belas q existem entre nós - as palavras às vezes não são escolhidas, mas sempre trazem alguma de mim; minha língua tropeça quando escrevo em voz alta; ou quando acredito estar conversando comigo e estou escrevendo.

agora, é o dia q começa a se dar conta de q é preciso continuar. assim, alerta a quem ainda o espera, q ser boêmio é um erro para o espelho em q o outro se mira. nem assim, entretanto, é preciso se assustar com o q ainda não aconteceu. 'amiga, todo dia é dia de se praticar / todas novas formas de te amar / em cada encontro, uma cidade. / em cada estrela / uma saudade.' (sem trapaça). ações são maneiras de se identificar, de diferenciar-se dos iguais, de dinamizar o lugar onde cada um se encontra e transformar a cidade - esquinas agradáveis, pois sorridentes; as ações dão oportunidade para agradecer as coisas bonitas q aconteceram no decurso das horas. sentir é bom.

histórias rolam a toda hora, mudando rumos e ventos. a todo instante, um movimento. por fim, paulinho da viola: 'o amor é um segredo / q sempre chega em silêncio, / com a luz do amanhecer...'. amanhecer é puro, como os copos-de-leite, como as mãos do meu amor, como as estrelas cadentes q deixamos de enxergar, como as lágrimas q vêm do coração. como a pedra, com a capacidade de saber o q se passa no coração daqueles q não de pisar, e compreende.

crônica publicada no jornal pioneiro, dia 27 de agosto de 1998

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