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Mostrando postagens de março, 2023
Raquel Gaio (Rio de Janeiro, RJ, 31.mar) a pele dotada de sintoma- tessitura sísmica eu você o sangue- vazios canforados há o buraco que trago em minha boca, o dente 46 em falta a palavra é um corvo eu vejo com a garganta riscada   o que te oferto é uma tessitura de punhos queimados o presságio de uma cabeça castigada pelo sal o fogo silencioso de meus semelhantes um país devorado pelo bico de um pássaro.  
Osvaldo Rodrigues (Apucarana, PR, 31.mar) O quadro   Vou pintá-la em um quadro tintas e traços multicoloríveis emoldurá-la em madeira nobre Vou depositá-la sobre a mesa um quadro sem preço e sem pressa lembrando um poema de Maiakovski Ela é tão linda tão linda que na certa eles a amarão tão linda como o lidar de vasos arranjos de flores e folhas matinais e de fundo excesso de nuvens Serei o jardineiro contumaz da planta carnívora a devorar meu coração Serei o pintor surreal das horas dos ponteiros retorcidos pelo tempo e ela a modelo que transcenda a plenitude de duas crianças a brincar de gangorra.
Marcelo Brettas (SP, 31.mar) Sou montanha de algodão Algoz de um ser que nem sei Parto em poucos pedaços Morro em sopros sem vida Divago em céus sem cor Sinto dores de tantos e tantas Corpos sem cara e nem forma Finjo que viver é algo simples Morro lento, levado pelo vento Cicatrizes e dores me marcam Passa o tempo para o mundo Para mim, só resta temporal
Marcondes Tavares (Pinheiro Machado, RS, 31.mar) Distância   Nos caminhos de minha busca Encontrei-me com a saudade Que lentamente aguçou-me Dando vida à minha solidão Uma lágrima rolou escondida Secando com o calor desta cidade Um sorriso com ar satisfatório Para as pessoas que me rodeiam Nasceu como um belo poema Tentei ocultar o que estava sentindo E fiquei mais só ainda Quase aprendi a conviver com a saudade As horas foram se estreitando O encontro se aproximando E eu senti que é bom sentir saudade O amor remexe a gente por dentro E se percebe muitas verdades... Que perto passam desapercebidas...
Fernando A. Stratico (Londrina, PR, 31.mar) O beijo   sei que faz muito bem comer um poema toda manhã caverna-boca aberta a boca é uma caverna e vale repeti-la e abrir assim caverna a fim de engolir o vento este que passa louco disfarçado. O vento tem cara de Reginaldo tem uma cara também de alicinha alimenta e enche de vazio o que já está vazio e o vazio se torna mais vazio ainda. Boca minha boca dentro tem um lago de águas supercristalinas, sonhos fósseis almas de estalactites isso tudo ninguém vê a boca esconde e fecha e só por meio deste arroto explícito faz-se perceber das maravilhas a boca cheia a boca alheia quanto boca uma caverna tem!
Ernani Rosas [Ernani Salomão Rosas Ribeiro de Almeida] (Desterro, SC, 31.mar.1886 –  Nova Iguaçu, RJ, 1954) Depois de Te Sonhar   Depois de Te sonhar Mistério ido e, seguir-Te e ouvir-Te em Hora leda, de vesti teu Ser a raios de Astro e Olvido, de Antiguidade o teu perfil de Moeda.   Parei depois de haver corrido tanto e amado e urdido Horas de Sonho-Asa? constelada de azul fulgor de brasa por Tardes enlaivadas de quebranto...   Sonho em Cristal teu corpo de Champagne? mansa luz que morrendo sem alarde, não há sol de crepúsculo, que a estranhe...   Acordas do teu Sono, para Mim! nos meus olhos à sombra, para a Tarde... por que surges em Sonhos num jardim?
Thiago de Mello (Barreirinhas, AM, 30.mar.1926 –  Manaus, AM, 14.jan.2022)   Quando a verdade for flama   As colunas da injustiça sei que só vão desabar quando o meu povo, sabendo que existe, souber achar dentro da vida o caminho que leva à libertação.   Vai tardar, mas saberá que esse caminho começa na dor que acende uma estrela no centro da servidão.   De quem já sabe, o dever (luz repartida) é dizer.   Quando a verdade for flama nos olhos da multidão, o que em nós hoje é palavra no povo vai ser ação.
Mauro Gama (Rio de Janeiro, RJ, 30.mar) Crime 3 Fuma fuma tabaque bate: que pança? Dança curtido corpo de charque charco em corruto beiço tensão charuto e seu sangue soca seu peito soca e eis que ao lado o outro caboclo bate: disputa um ataque à bronca (ou em bloco) de ronco e lata. E na mão do primeiro o punhal se empunha se ergue chispando e em X pando desce: se crava cavo, na caixa de som (colchão murcho coração).
Luís Augusto Guedes (Rio de Janeiro, RJ, 30.mar)   De joelhos   na beira da cama antônio segura o terço tem apenas quatro anos já pede pela paz no mundo.   Troca os versos come as palavras mal sabe o mundo que essa criança o segura que ela o protege.   Quando crescer ele vai rezar certo palavra por palavra como quem põe talheres na mesa.   Nesse dia como em qualquer outro vamos ouvir os disparos dos tanques da terceira guerra.
Júlio Salusse (Bom Jardim, RJ, 30.mar.1872 –  Rio de Janeiro, RJ, 30.jan.1948) Soneto – Vi passar num corcel a toda a brida, nuvens de poeira erguendo pela estrada, um gigante, impassível como o nada, indiferente a tudo – à morte e à vida!   Tão bela, como a Bela Adormecida, tinha nos braços uma loura fada: lindos cabelos de ilusão dourada, pálidas faces de ilusão perdida...   Assombrado, gritei para o gigante: – "Quem és tu? Essa deusa é tua amante?" E o Cavaleiro, o Tempo, respondeu:      – "Eu sou tudo e sou nada nos espaços, e esta Mulher que levo nos meus braços é a tua Mocidade que morreu!"
José Francisco Botelho (Bagé, RS, 30.mar)   Tento saber quem sou, e a noite é vasta Tento saber quem sou, e a noite é vasta Ante os meus olhos foscos e salgados: A sombra sabe aonde eu vou, e basta. A memória é neblina que se afasta Enquanto, nos umbrais sombrios, alçado, Tento saber quem sou, e a noite é vasta. Mas pulsa algo distante, que me arrasta, E, nesse antigo dédalo espelhado, A sombra sabe aonde eu vou, e basta. O tempo é tempestade que desbasta A flor do espaço, e sob o céu rajado Tento saber quem sou, e a noite é vasta. Aquilo que te impele te devasta, E, enquanto arde o futuro no passado, A sombra sabe aonde eu vou, e basta. Há no Mundo uma Porta, estranha e gasta, Porém eterna. Eu passo. E do outro lado? Tento saber quem sou e a noite é vasta: A sombra sabe aonde eu vou. E basta.
Adelino Fontoura (Axixá, MA, 30.mar.1859 –  Lisboa, POR, 2.mai.1884) Antes de partir Venho ensopar de lágrimas o lenço No tristíssimo adeus de despedida; Em breve a Pátria vou deixar perdida Além – na curva do horizonte imenso!   Em breve sobre o mar profundo e extenso Adejará minh’alma dolorida, Como a gaivota errante, foragida, Sem ter um ninho onde pousar, suspenso!   Então, senhora, hei de pensar, tristonho, Revendo a vossa angélica bondade, Neste ninho de amor calmo e risonho;   E triste, sobre a triste imensidade, Como quem despertou de um ledo sonho, Hei de chorar o pranto da saudade.
Zé da Luz [Severino de Andrade Silva] (Itabaiana, 29.mar.1904 –  Rio de Janeiro, RJ, 12.fev.1965)   Ai! Se Sêsse!   Se um dia nós se gostasse; Se um dia nós se queresse; Se nós dos se impariásse, Se juntinho nós dois vivesse! Se juntinho nós dois morasse Se juntinho nós dois drumisse; Se juntinho nós dois morresse! Se pro céu nós assubisse? Mas porém, se acontecesse qui São Pêdo não abrisse as portas do céu e fosse, te dizê quarqué toulíce? E se eu me arriminasse e tu cum insistisse, prá qui eu me arrezorvesse e a minha faca puxasse, e o buxo do céu furasse?... Tarvez qui nós dois ficasse tarvez qui nós dois caísse e o céu furado arriasse e as virge tôdas fugisse!!!
Aquiles Porto-Alegre (Rio Grande, RS, 29.mar.1848 – Porto Alegre, 21.mar.1926) O canário Em um chalet pequeno e rendilhado, tive um canário, há muito, prisioneiro; era um pássaro alegre e endiabrado, que não o dava a peso de dinheiro.   Quando as asas abria no poleiro, soltava logo o mágico trinado; e assim passava sempre o dia inteiro, como se fosse um doido enamorado.   Uma vez, de manhã, o passarinho espreita para a rua... Com carinho dois pombos se beijavam no telhado.   Contra a gaiola investe, como um louco! Geme, agoniza e morre pouco a pouco, com o peito ferido e ensanguentado!...
Ada Macaggi [Bruno Lobo] (Paranaguá, PR, 29.mar.1906 – Rio de Janeiro, RJ, 12.nov.1947)   Requinte   Consagrei a este amor soberbo e dominante todas as faculdades do meu ser. E vou para ele assim maravilhada, como quem bebe um vinho rubro e forte; ou como quem compôs, num vaso raro, um grande ramo de rosas; ou como quem afunda as mãos, gostosamente, num punhado de plumas perfumadas.
Maria Duda (Rio de Janeiro, RJ, 28.mar) Que tem medo da justiça?   Quem é você, que vai pagar pelos corpos jogados nos mares? Que vai pagar pela vida de Dandara e de Zumbi dos Palmares? Quem é você, que vai comprar de volta a infância dos que a perderam? A identidade dos que a perderam? A vida dos que a perderam? Quanto vale a vida pra você? Quanto valem nossas vidas, se me paga a despedida com as lágrimas que não descem enquanto nossa morte é aplaudida Quem é você, que vai pagar pela limpeza social da capital do império? Pelas mulheres presas por adultério? Que vai pagar pelas vidas de Canudos e dos malês? Pela invenção e violação das ditas leis? Quem é você, que vai pagar pelos futuros que foram ceifados no passado? Por termos que viver entre os fantasmas dos que são assassinados? Quem é que vai me ensinar a viver depois de perceber o que você me roubou? Minha ausência no livro de história? A ausência da minha memória? Quem é você, que vai limpar as manchas do nosso sangue no á
André Vaz de Campos Tourinho (Salvador, BA, 28.mar)   Quarentena de Outono   Mal acabo de chegar à vintena Aniversariando em quarentena A adolescência aqui se encerra Heis de mim segunda década   Porém, o mundo nosso exige mais Do que divagar sobre questões particulares minhas Acordamos das anestesias banais Nova doença fora precisa para curar velhas feridas   Celebro a vida entre cercas Pois lá fora o algoz é invisível Na tosse, no toque De quem quer que seja   Não há rosto, casta, cor, pátria ou rito Alvo todos, salvo ninguém, tampouco invicto Das coberturas da Graça e Vitória Às favelas do Retiro, deserto visto   Em absoluto tudo, cena histórica Como se nada houvesse existido Um povo que despovoou sua terra Aos moldes dum êxodo domiciliar   Até as praças de consumo decidiram cessar Tais quais as turbinas de sovinas, como será? Feito formigas na iminência da chuva Percebemo-nos pequenos numa luta   Após séculos de