Nasce em Rio Grande (RS), o poeta, cronista, romancista e teatrólogo ERNANI GUADAGNA FORNARI, em 15 de dezembro de 1899. Filho de imigrantes, o pai, Aristides, era grande incentivador e apreciador das artes e trabalhara com circo, música e teatro, além de ser militante anarquista – abandonou a família para lutar pelo movimento na Itália. Aos 29 anos Ernani publicaria pela Editora Globo a primeira edição de Trem da Serra – Poema da região colonial italiana, livro que o situará entre os modernistas brasileiros – a segunda edição será publicada em 1987, pela Livraria Acadêmica.
Em 1920, Ernani havia concluído os estudos no Seminário Santo Antônio, em Garibaldi, e trabalhava como almoxarife da Viação Férrea de Carlos Barbosa e Alfredo Chaves (em Bento Gonçalves) – alguns estudiosos apontam este período como fundamental para a construção poética de seu livro mais conhecido. O município onde fica o seminário aparece em diversos poemas, “onde se sente o amor e a vibração por essas paisagens, por essas ruas, pelo Colégio, pelo Convento dos Capuchinhos, pelo vetusto hotel Faraon, pelos vales daqueles horizontes sem fim, pelas pessoas que aí andavam”, lembra o professor Doutor Antônio João Silvestre Mottin, depois conhecido como Irmão Elvo Clemente (1921-2007).
Dois anos depois, mudou-se para Pelotas, onde começa a trabalhar com o jornalismo e a dedicar-se ao desenho e à ilustração – assinava como Xisto, Fabius e Neno. Também em Pelotas dirigiu a Biblioteca Pública e ingressou na redação do jornal O Correio Mercantil, “um dos porta-vozes da elite cultural, industrial e comercial de Pelotas” (@Olharessobrepelotas). Em 1923, publicou Missal da ternura e da humildade, com características simbolistas (com segunda edição em 1933, quando foi aclamado como terceiro autor mais lido do ano), mas considerado um "horror" por Sérgio Gouveia, por seu anacronismo em "pleno século vinte, de arranha-céus, zeppelins e outras coisas colossais..." (revista Máscara, 1925, p. 71).
No ano seguinte, está em Porto Alegre, onde integrou a equipe da revista Máscara, como ilustrador e onde permanecerá por 10 anos, merecendo destaque entre o grupo intelectual da capital gaúcha. Enquanto isso, colaborava com diferentes veículos de comunicação: Diário de Notícias, Jornal da Manhã, Revisa do Mês e Revista Globo. Travou contato, no período, com Erico Verissimo (1905-1975), Mansueto Bernardi (1888-1966), Augusto Meyer (1902-1970), Athos Damasceno Ferreira Vargas (1902-1975), Olmiro de Azevedo (1895-1974), Rui Cirne Lima (1908-1984) e Tyrteu Rocha Vianna (1898-1963).
Ao longo da vida, Ernani tornou-se membro de diferentes associações culturais e profissionais. Integrou o Pen Club do Brasil e a Associação Brasileira de Imprensa; foi conselheiro vitalício da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (SBAT); frequentava a Academia Petropolitana de Letras e filiou-se ao Lions Club de Petrópolis, onde morou nos últimos anos de vida.

Ao publicar Trem da Serra – 32 poemas que, “inseridos numa narrativa lírica conduzida por um viés étnico, mostra o papel do imigrante e do caboclo na formação da nova identidade nacional”, de acordo com Julia Darol Dall’Alba (2009) –, Ernani alinha-se com o movimento modernista que eclodira em São Paulo, a partir d’O manifesto antropofágico, de Oswald de Andrade (1890-1954), e dos livros Macunaíma, de Mário de Andrade (1893-1945), e Retrato do Brasil: ensaio sobre a tristeza brasileira, de Paulo Prado (1869-1943). Mas ele não obteve reconhecimento popular devido ao ineditismo da linguagem e da forma da poética desenvolvida na região da Serra gaúcha. “É um livro que traz as marcas da poesia moderna, na linguagem coloquial, no verso livre adotado, no aproveitamento da tecnologia como tema e como ponto de vista”, diz Antônio Marcos V. Sanseverino (2011, p. 143).
Tecnologia que está presente, também, na estética do poema, que introduziu a técnica do Pathé Baby (sistema que usava o filme 9,5mm, popular durante décadas), “o poema-filme conduzido pelo trem animalizado, espaço onde se percebe a integração das raças”, conforme Dall’Alba (2009, p. 11). Mas, como lembra Donaldo Schuler, em Poesia modernista no Rio Grande do Sul, “a ruptura com a arte convencional, proclamada com alarde em São Paulo, processou aqui de mansinho. A poesia enveredava por novos rumos sem romper com a tradição” (1982, p. 10).
Ernani ainda publicou Praia dos Milagres (poesia, 1932) e Guerra das Fechaduras (contos, 1932) antes de ingressar na carreira pública como Secretário do Interior do Rio Grande do Sul. Em 1935 mudou-se para o Rio de Janeiro, onde assumiu a função de secretário geral do Departamento de Propaganda e Difusão Cultural (DPDC) do governo de Getúlio Vargas, que a partir de 1939 ficaria conhecido como Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP).
Na chegada à capital federal, publicou o romance O homem que era dois e a montagem teatral Nada!, que foi publicada em três edições – o entretrecho da peça foi retirado de um poema de Ernani, “Destinos Malditos”, do livro Praia dos Milagres. Sobre a montagem, disse a crítica: “Escritor dos mais brilhantes e figura de grande prestígio na literatura nacional, só agora nos deu, com a peça Nada!, o seu primeiro trabalho para o teatro, trabalho esse que pode ser classificado, sem favor, de genial, pois, conseguiu apresentar uma comédia que é, antes de tudo, de um realismo que empolga!” (Henrique Pongetti em MOTTIN, http:/www.geocities.ws/ail_br/ernanifornaripoetadramaturgo.html).
Com o reconhecimento do público e da imprensa, escreveu ainda Iaiá Boneca (1938), Sinhá Moça Chorou (1941), Quando se vive outra vez (1947) e Sem Rumo (1951). As montagens de 1938 e 1941 repetiram o sucesso de Nada!. Iaiá Boneca, representada pela primeira vez no Teatro Ginástico do Rio de Janeiro, em 4 de novembro de 1938, pela Companhia Brasileira de Comédia, com direção de Oduvaldo Vianna Filho (1936-1974) e apoio do Serviço Nacional do Teatro, também foi referenciada na música carnavalesca de Ary Barroso (1903-1964); Sinhá Moça Chorou, estrelada por Dulcina de Moraes (1908-1996), mereceu elogios  do jornalista e dramaturgo Viriato Correia (1884-1967) em discurso na Academia Brasileira de Letras (ABL), e foi hors concours da Municipalidade de Porto Alegre e Medalha de Mérito da Associação Brasileira de Críticos Teatrais em 1940.
Enquanto isso, publicou em 1937 a obra paradidática O que os brasileiros devem saber, manual de civismo em que compartilhava os ideais do Estado Novo, mas logo pediu transferência para o Instituto Brasileiro para a Educação, Ciência e Cultura (Comissão Nacional da UNESCO), por discordar das práticas ditatoriais do presidente Getúlio Vargas (1882-1954).
Em 1945 fundou a revista Cocktail e em 1954 assumiu o cargo de secretário cultural da Embaixada do Brasil em Lisboa, na gestão de Olegário Mariano (1889-1958). Depois de aposentar-se do serviço público, escreveu e publicou em 1960 a biografia O “incrível” Padre Landell de Moura (1861-1928), que realizou a primeira experiência de transmissão de voz à distância em 1893, mas que teve o pioneirismo eclipsado pela invenção do rádio pelo italiano Guglielmo Marconi (1874-1937) em 1901.
Morreu no Rio de Janeiro, em 8 de junho de 1964 no Hospital dos Servidores do Rio de Janeiro e seu corpo foi sepultado no Cemitério São João Batista. Deixou inéditos a seleção de poemas Quatro poemas brasileiros – “Descobrimento”, “Dança Brasileira”, “Bugrinha” e “Meus três Brasis” – revelados por Dall’Alba (2009), os textos teatrais Os filhos julgam e Veranico de Maio, a novela Enquanto ela dorme e a reunião de contos Teoria da Bengalada, que foi publicada em 2002 pela EDIPUCRS, organizada por Samir Machado. Ainda segundo Dall’Alba (2009), Ernani fez referência à reescrita de O homem que era dois e à criação de Histórias e tipos inconvenientes: mas, ao que parece, o segundo não foi localizado e o primeiro não teve reedição. De acordo com o Dicionário Bibliográfico Gaúcho, de Pedro Leite Villas-Bôas (1991), ainda foram publicados Martins Pena, seu tempo e seu teatro (ensaio, 1947), a Teoria do Fiapo (na revista Província de São Pedro, de Porto Alegre, 1948) e o artigo Antes de Marconi – biografia de Mons. Landell de Moura, na revista Ciência Popular, do Rio de Janeiro, em 1954. Em 1980, a Cia. Vinícola Rio-Grandense editou o livro Histórias de vinho: crônica, crônicas e poesias de autores diversos, pela L&PM, com distribuição restrita.
Para o professor e crítico literário Luís Augusto Fischer, “o Brasil se acostumou a pensar na história da literatura brasileira do século 20 como tendo um centro indesmentível absoluto, inquestionável em torno do qual tudo girou” (2004, p. 75) – a Semana de Arte Moderna, em São Paulo. Quem quiser conhecer a obra de Ernani Fornari, as duas edições de Trem da Serra, e também outros livros do poeta, encontram-se à disposição na Biblioteca Pública e no Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami.

(A partir de ANTUNES, 1946; DALL’ALBA, 2009; FISCHER, 2004; FORNARI, 1928, 1960, 1987; VILLAS-BÔAS, 1991; SANSEVERINO, 2011; SPALDING, 1969; e internet: BRUM in http://livros01.livrosgratis.com.br/cp020573.pdf; MOTTIN in http://www.geocities.ws/ail_br/ernanifornaripoetaedramaturgo.html)

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