Ao apresentar a poesia de CECÍLIA MEIRELES na antologia Flor de Poemas, o organizador Paulo
Mendes Campos é taxativo: “não há poeta moderno em língua portuguesa mais
harmonioso”. A única nota monótona dos versos desta carioca, nascida em 7 de
novembro de 1901, prossegue o poeta mineiro, “é a inacreditável qualidade de
seus versos, é o nítido tecido conjuntivo de toda a sua obra”.
Cecília “surgiu” para a literatura brasileira
na corrente “espiritualista” do modernismo brasileiro, que permitiu abertura a
diferentes experiências poéticas – em sua obra encontramos influências da poesia
medieval, romântica, parnasiana e simbolista. Ela integrava o grupo tradicionalista
e católico que publicava na revista Festa
(1927), dirigida por Tasso da Silveira (1895-1968) onde, de acordo com o
crítico Alfredo Bosi, ela apresentou de forma “inequivocamente moderna” (2000,
p. 343) suas tendências religiosas, “no seu ritmo oscilante entre o fechamento
e a abertura do eu à sociedade e à
natureza humana”, da mesma forma como faziam Carlos Drummond de Andrade
(1902-1987), Murilo Mendes (1901-1975), Jorge de Lima (1893-1953) e Vinicius de
Moraes (1913-1980), entre outros (2000, p. 386).
Estes poetas, no entender de Bosi,
introduziram uma nova temática no modernismo, a religião. Há, neles, “a busca
de uma linguagem essencial, afim às experiências metafísicas e herméticas de
certo veio rilkeano da lírica moderna”, como também em Henriqueta Lisboa
(1901-1985) e Dante Milano (1899-1991), herdeiros que eram “da experiência
formal simbolista” (2000, p. 438). Embora ligada ao grupo católico, Cecília
tinha uma concepção bastante terrena do exercício da poesia: “Há uma tendência
de cor e de paisagem que vêm desde Gregório de Matos. E há, sobretudo, uma
preocupação carnal que atravessa todas as escolas, e surpreende até nos poemas quase
abstratos. Não estou dizendo preocupação amorosa nem sentimental. É mesmo
carnal. Enfim, o Brasil é um país muito jovem. Deve ser fenômeno de
adolescência”, disse, em entrevista a João Condé (1917-1971), publicada na
revista O Cruzeiro, de dezembro de
1965 (in MEIRELES, 2003).
O intimismo de Cecília “afina-se ao extremo e
toca os limites da música abstrata”, diz Bosi (2000, p. 460). Embora tenha
iniciado sua literatura com o grupo da revista Festa, Cecília aproxima-se mais de Alphonsus de Guimaraens (1870-1921)
e Cruz e Sousa (1861-1898), de quem, na mesma medida, também irá se afastar,
encontrando-se na “transfiguração” da expressividade poética, atenta à riqueza
do léxico e dos ritmos portugueses – basta ler Romanceiro da Inconfidência (1953), que foge à orientação intimista
e reflete sobre questões de caráter político e social, como a liberdade, a
justiça, a traição, a ganância e o idealismo. (CEREJA, MAGALHÃES, 2000),
escrito em
redondilha maior para construir uma narrativa poética sobre a saga dos
conjurados mineiros do século XVIII, alternando o tom lírico com o épico.
Mas o restante da obra de Cecília é de cunho
reflexivo e filosófico. Entre outros temas, ela contempla a transitoriedade da
vida/a efemeridade das coisas, a fugacidade do tempo, o amor, o infinito, a
natureza e a criação artística. “Cecília foi, antes de tudo uma escritora
intuitiva, que sempre procurou questionar e compreender o mundo a partir das
próprias experiências: a morte dos pais quando menina, a morte da avó que a
educara, o suicídio do primeiro marido, o silêncio, a solidão” (CEREJA,
MAGALHÃES, 2000, p. 463).
Entre seus livros se destacam Vaga música (1942), Mar absoluto e outros poemas (1945) – considerado um dos melhores
livros da autora –, Doze noturnos de
Holanda e O aeronauta (1952), Solombra (1963) e Cânticos (1981). Na reunião de seus poemas em Obras poéticas (1958), ela havia deixado de fora os livros iniciais
por entender que, neles, ainda não tinha maturidade poética. O primeiro livro, Espectros (1919), havia sido publicado
aos 18 anos, com 17 sonetos que abordavam temas históricos e mitológicos,
contendo personagens como Átila, Joana D’Arc, Cleópatra, Maria Antonieta,
Sansão e Dalila, com forte influência dos poetas simbolistas franceses Paul
Verlaine (1844-1896) e Arthur Rimbaud (1854-1891). O livro ficou um tempo
desaparecido, de acordo com a jornalista Valéria Lamego, autora
de A farpa na lira: Cecília Meireles na
Revolução de 30 (1996), mas ganhou reedições na última década.
A poeta diplomou-se no curso normal da Escola
Normal do Distrito Federal, em 1917, e o magistério tornou-se uma de suas
paixões – chegou a ser regente de turma em 1939 e diretora de escolas,
aposentando-se em 1951. Ainda em função dessa paixão, escreveu em livros
didáticos, para o público infantil, como Criança, meu amor (1924),
ou em poemas, como Ou isto ou aquilo (1964), onde encontramos poemas
em que ela utiliza recursos de linguagem como trocadilhos e paronomásias,
buscando atrair o leitor infantil para os aspectos lúdicos da poesia – em 1934,
organizou a primeira biblioteca infantil do Brasil, no Rio de Janeiro,
denominada Centro de Cultura Infantil, na gestão do educador Anísio Teixeira
(1900-1971) na Secretaria de Educação do Distrito Federal.
Como cronista, de 1920 a 1964, quando sua última
crônica foi publicada na Folha de
S.Paulo, escreveu cerca de 2.500 crônicas. Entre 1930 a 1933, manteve,
paralelamente, no Diário de Notícias uma página diária sobre
problemas de educação, que resultou no livro póstumo de cinco volumes, Crônicas
da Educação. Com Fernando Azevedo (1894-1974), Anísio Teixeira (1900-1971),
Afrânio Peixoto (1876-1947) e outros, publica o Manifesto dos Pioneiros
da Educação Nova, marco da renovação educacional do país, disponível pelo
site da Fundação Joaquim Nabuco/Editora Massangana (Coleção Educadores), que
também disponibiliza um ensaio sobre a autora, escrito por Yolanda Lôbo (2010).
Cecília Meireles também foi tradutora. É dela
uma das versões para A canção de amor e
de morte do porta-estandarte Cristóvão Rilke, de Rainer Maria Rilke
(1875-1926), Orlando, de Virgina
Woolf (1882-1941), Yerma, de Federico Garcia Lorca (1898-1936), de Poemas Chineses, que reúne Li Po (701-762)
e Tu Fu (ou Du Fu, 712-770), e de
diversas obras do poeta hindu Rabindranath Tagore (1861-1941), sobre quem
afirmou: “A poesia tagoreana conduz a uma visão de santidade, de serenidade, de
contemplação geral, visão que as gerações atuais mal podem compreender. [...]
Não será impossível um renascimento de Tagore, quando esta onda turbulenta e
caótica se acalmar, quando os jovens acreditarem na supremacia do Espírito
sobre todas as coisas e a sabedoria do Oriente não for ignorada no Ocidente tão
técnico” (in CEREJA, MAGALHÃES, 2000, p. 462).
Duas passagens em sua vida a aproximam do poeta
parnasiano Olavo Bilac (1865-1918). A primeira é quando conclui o
curso primário, em 1910, na Escola Estácio de Sá (RJ), e recebe,
das mãos do então inspetor escolar do Distrito Federal, a medalha de ouro por ter
concluído o curso com "distinção e louvor"; a
outra é quando Viagem, de 1938, é vencedor do Prêmio Olavo Bilac da
Academia Brasileira de Letras (ABL).
Foi, ainda, repórter, editora, conferencista,
escreveu para o teatro de marionetes (A
nau catarineta, 1946) e seus livros foram publicados em Portugal e nos
Estados Unidos. Recebeu o título de Comendador da Ordem do Mérito do Chile, no
mesmo ano em que morreu – no dia 9 de novembro de 1964, no Rio de Janeiro.
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