O centenário poeta JOÃO CABRAL DE MELO NETO, nascido em 9 de janeiro  de 1920, escreveu certa feita: “Estamos no reino da palavra, e tudo que aqui sopra é verbo, e uma solidão irremissível.”
O recifense é autor do poema dramático Morte e vida severina e cerca de mais 20 livros. Membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), diplomata em Barcelona e Londres (entre várias outras cidades), também escreveu prosa, na forma de ensaios, e foi traduzido para mais de cinco idiomas.
O primeiro poema é do livro Pedra do Sono, publicado em 1942; o segundo é de Sevilha Andando, de 1990. A partir da década de 1950, o poeta transitou pelo surrealismo e pelos temas regionais, sem descuidar-se do rigor estético. Segundo o escritor moçambicano Mia Couto, é o maior poeta de língua portuguesa
João Cabral de Melo Neto morreu no dia 9 de outubro de 1999, no Rio de Janeiro.

Poema
Meus olhos têm telescópios
Espiando a rua.
Espiando a alma
Longe de mim mil metros.

Mulheres vão e vêm nadando
Em rios invisíveis.
Automóveis como peixes cegos
Compõem minhas visões mecânicas.

Há 20 anos não digo a palavra
Que sempre espero de mim:
Ficarei indefinidamente contemplando
Meu retrato eu morto



Um bairro de Sevilha

Em Santa Maria la Blanca,
o silêncio se corta a faca.

É denso, não o morto é vazio,
que se pode romper a gritos.

Silêncio de esponja, absorvente,
que faz se calar o passante,

e o faz sentir-se surdo e mudo,
de pulso rápido, mas lúcido.

Assim devem sentir-se os mundos
nos grandes espaços sem fundo;

girando nas mesmas vertigens,
que aqui nos dá tanta cal virgem.


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