RENATA PALLOTTINI nasceu em São Paulo em 20 de janeiro de 1931. Poeta, publica seus primeiros poemas em 1950, quando cursava a Faculdade de Direito na USP. Estreou em livro dois anos depois, com Acalanto, de forma semiartesanal. Depois segue O Monólogo Vivo (1956), primeiro título incluído pela autora em sua Obra Poética, de 1995, que contém um total de 14 livros. Depois disso, Renata, que também é professora, romancista, contista, autora de literatura infantil e juvenil, e escreve para o teatro e a TV (Malu Mulher), traduz e roteiriza (Vila Sésamo), publica Um Calafrio Diário (2002).
Em prosa, ficou conhecida com Mate é a cor da viuvez (1974) e, para o teatro, escreveu, entre outros, o texto para a montagem de Pedro Pedreiro (1967), com música de Chico Buarque. Como tradutora, é responsável pela versão do famoso musical Hair (1967), dos estadunidenses James Rado e Gerome Ragni.
Para o crítico Wilson Martins, "poeta independente das escolas transitórias e modas efêmeras, Renata Pallottini restituiu à poesia brasileira o elemento de emoção pessoal e literária de que começou perigosamente a se despojar com João Cabral (...)".


O Grito

Se ao menos esta dor servisse
se ela batesse nas paredes
abrisse portas
falasse
se ela cantasse e despenteasse os cabelos

se ao menos esta dor se visse
se ela saltasse fora da garganta como um grito
caísse da janela fizesse barulho
morresse

se a dor fosse um pedaço de pão duro
que a gente pudesse engolir com força
depois cuspir a saliva fora
sujar a rua os carros o espaço o outro
esse outro escuro que passa indiferente
e que não sofre tem o direito de não sofrer

se a dor fosse só a carne do dedo
que se esfrega na parede de pedra
para doer doer doer visível
doer penalizante
doer com lágrimas

se ao menos esta dor sangrasse

(in A Faca e a Pedra, 1962)

* * *
     Ternura

     Compreende: não é a minha Ternura que te nego.
     É antes, a casa que não é minha,
     A liberdade que não me deram,
     As horas que me arrancaram.
     Minha Ternura, essa está intacta,
     Ninguém a pode roubar.
     É como a Casa que eu sempre sonhei,
     Onde viveriam todos os Amigos,
     Como a liberdade de andar pelas ruas sem tempo,
     Como as horas da noite que eu guardo para os sonhos
     Antes de dormir.

     (in Acalanto, 1952)

* * *

Noite Afora

A quem devo dizer que em tua carne
se sobreleva o tempo e o duradouro,
mancha de óleo no azul, alaga e intensifica
o contratempo a que chamei amor?

A quem devo dizer dos meus perigos
quando, o corcel furioso, olhei ao longe
e não vi mais limites que o oceano
nem mais convites que o das ondas frias?

Como antepor o corte nas montanhas
– Liberdade – ao dever que a si mesma impõe a terra
de estender-se conforme o espaço havido?

Malícia do destino, ardil composto outrora...
Arde a grama da noite em que te vais embora,
e essa chama caminha, essa chama, essas vinhas,

essas uvas, cortadas noite afora.

(in Noite Afora, 1978)



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