a cidade
uma cidade não é do que uma cidade. são todas e pode-se com com renato gomes cordeiro: uma cidade, todas as cidades. uma cidade se transforma com o passar dos anos. a pintura dos prédios se desgasta, o asfalto cede e é refeito, a grama das praças precisa ser aparada com frequência para que não se transforme em mato, o trânsito tem que ser reordenado para não viar um caos, as regras de edificação devem ser revistas para que o céu não despareça de vez de nossas vistas.
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tenho comigo uma imagem, que insiste em permanecer diante do meu olhar. se a cidade é uma selva de pedra, a praça é a sua clareira. além dela, só as coberturas dos prédios mais altos, os descampados periféricos e os estacionamentos de shopping centers e supermercados proporcionam a dimensão do imenso vazio azul que reveste nossa grávida existência.
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muitas pessoas passam suas vidas sem sair de uma mesma cidade. ali encontram à disposição os itens necessários para satisfazer desejos, aliviar angústias, realizar sonhos, marcar presença. conhecem o mundo pela descrição dos outros - em livros, cartas, cartões postais - ou pelas imagens que os canais de televisão despejam sobre o carpete de suas salas. mas às vezes nem isso e nem por isso o mundo para de girar.
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é nas calçadas, galerias, saguões, escadarias, que cumpre-se o ciclo desfeito com a construção da torre de babel. a possibilidade que se desvendou para o homem construir naturezas sobre a natureza primitiva, unitária e divina, despertou a ira dos deuses. "o mito de babel expressa a luta do homem por seu espaço vital, no momento de sedentarização", explica raquel rolnik, doutora em história urbana. o embaralhamento das línguas trouxe problemas para a huamnidade, mas também foi o embrião das nações. nas calçadas de todas as cidades, repetem-se rituais de gregariedade, verdadeiros exercícios de civilidade que afetam um e outro de maneira diferente - o certo e o errado relativizados pela imperfeição dos homens.
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assim como no campo, a cidade tem ruídos diurnos e noturnso. alguns se confundem entre o dia e a noite, como o ronco dos motores, a sirene das ambulâncias ou o persistente zumbido dos geradores de energia elétrica. mas, enquanto a cidade demarca os seus horários de trabalho e os de festa, permanecem algumas diferenças, mesmo que aparentemente óbvias - o timre das conversas é outro, pois as pessoas relaxam mais à noite, as palavras costumam ser mais secas durante o dia porque impera a objetividade costumeira nos negócios da vida prática.
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o dia é tridimensional, a noite é bidimensional. enquanto brilha o sol, a arquitetura revela suas formas e profundidades. à noite, a arquitetura eletrográfica deleita o olhar e sugere mistérios que as sombras insistem em manter ocultos. jogo barroc na urbana malha de intenções e procuras. pelo quê?
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caminhando por suas ruas, fluindo por suas artérias, podemos ir lendo a história do povo que a construiu. por mais que se derrubem construções, sempre existe um esforço - muitas vezes inconsciente - de conservar os primeiros traços urbanos que constituíram a cidade que se habita. por isso a necessidade de manutenção da memória coletiva através da preservação do patrimônio. ainda que, não raro, as antigas construções sirvam apenas para a contemplação, enquanto pulsa a modernidade.
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assim como as palavras se sobrepõem em nossas vidas, na leitura de jornais ou livros, a história da cidade se dinamiza com estas transformações e fornece várias interpretações. no fundo, no fundo, penso que o que queremos é olhar pelas nossas janelas - inclusive a da alma - e nos refletirmos nos prédios que estão ao nosso redor, com seus vidros escuros, pilotis que redimensionam o espaço das calçadas, sacada que permanecem vazias no decorre da estação que ora se pronuncia.
crônica publica no jornal pioneiro, dia 22 de abril de 1999.
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tenho comigo uma imagem, que insiste em permanecer diante do meu olhar. se a cidade é uma selva de pedra, a praça é a sua clareira. além dela, só as coberturas dos prédios mais altos, os descampados periféricos e os estacionamentos de shopping centers e supermercados proporcionam a dimensão do imenso vazio azul que reveste nossa grávida existência.
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muitas pessoas passam suas vidas sem sair de uma mesma cidade. ali encontram à disposição os itens necessários para satisfazer desejos, aliviar angústias, realizar sonhos, marcar presença. conhecem o mundo pela descrição dos outros - em livros, cartas, cartões postais - ou pelas imagens que os canais de televisão despejam sobre o carpete de suas salas. mas às vezes nem isso e nem por isso o mundo para de girar.
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é nas calçadas, galerias, saguões, escadarias, que cumpre-se o ciclo desfeito com a construção da torre de babel. a possibilidade que se desvendou para o homem construir naturezas sobre a natureza primitiva, unitária e divina, despertou a ira dos deuses. "o mito de babel expressa a luta do homem por seu espaço vital, no momento de sedentarização", explica raquel rolnik, doutora em história urbana. o embaralhamento das línguas trouxe problemas para a huamnidade, mas também foi o embrião das nações. nas calçadas de todas as cidades, repetem-se rituais de gregariedade, verdadeiros exercícios de civilidade que afetam um e outro de maneira diferente - o certo e o errado relativizados pela imperfeição dos homens.
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assim como no campo, a cidade tem ruídos diurnos e noturnso. alguns se confundem entre o dia e a noite, como o ronco dos motores, a sirene das ambulâncias ou o persistente zumbido dos geradores de energia elétrica. mas, enquanto a cidade demarca os seus horários de trabalho e os de festa, permanecem algumas diferenças, mesmo que aparentemente óbvias - o timre das conversas é outro, pois as pessoas relaxam mais à noite, as palavras costumam ser mais secas durante o dia porque impera a objetividade costumeira nos negócios da vida prática.
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o dia é tridimensional, a noite é bidimensional. enquanto brilha o sol, a arquitetura revela suas formas e profundidades. à noite, a arquitetura eletrográfica deleita o olhar e sugere mistérios que as sombras insistem em manter ocultos. jogo barroc na urbana malha de intenções e procuras. pelo quê?
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caminhando por suas ruas, fluindo por suas artérias, podemos ir lendo a história do povo que a construiu. por mais que se derrubem construções, sempre existe um esforço - muitas vezes inconsciente - de conservar os primeiros traços urbanos que constituíram a cidade que se habita. por isso a necessidade de manutenção da memória coletiva através da preservação do patrimônio. ainda que, não raro, as antigas construções sirvam apenas para a contemplação, enquanto pulsa a modernidade.
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assim como as palavras se sobrepõem em nossas vidas, na leitura de jornais ou livros, a história da cidade se dinamiza com estas transformações e fornece várias interpretações. no fundo, no fundo, penso que o que queremos é olhar pelas nossas janelas - inclusive a da alma - e nos refletirmos nos prédios que estão ao nosso redor, com seus vidros escuros, pilotis que redimensionam o espaço das calçadas, sacada que permanecem vazias no decorre da estação que ora se pronuncia.
crônica publica no jornal pioneiro, dia 22 de abril de 1999.
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