Marcelo Reis de Mello

(Curitiba, PR, 20.fev)


Deus ex machina

 

Boquinhas fechadas. Pálidas.

Dentro, a escavação. Os escombros.

Porque a boca é o sótão do corpo.

E o que uma boca tem de mítico

tem de ridículo. Não cabe nenhuma boca

dentro de uma manga. Não há caroços

brancos nos dentes. Os dentes são

estalagmites e estalactites. A boca

é sempre cavernosa. Os dentes são morcegos.

A boca é notívaga. A boca parece um rato

com asas. Numa boca cabe

uma porção de terra.

O caixão é pequeno, é um caixão

de anões. Há muitas

bocas numa morte pequena.

Uma boca é uma grande cova

sem mistério. É onde se enterra

o silêncio. É onde se pesca o silêncio.

É onde o mau hálito, é onde

as obturações, é onde os vermes.

Dentro, a escavação. Há muita coisa

lá dentro, mas nenhuma imagem.

As boquinhas fechadas dormem

sem sonhar. Bocejos

são seres fantásticos e contagiosos,

mas o bruxismo gasta os caninos

de madrugada e os cisos doem

quando inflamam.

A boca é uma máquina ruim.

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