Dídimo
O
homem limpador de placas percorre todos os dias o mesmo trajeto, pela cidade de
ruas com nomes de poetas, escritores e compositores: Elias José, Mário
Quintana, Adélia Prado, Roseana Murray, Vinícius de Moraes, Carlos Drummond de
Andrade, Cecília Meireles, Monteiro Lobato, Érico Veríssimo, Guimarães Rosa, Moacir
Skliar, Letícia Wierzchowski, Machado de Assis, Villa-Lobos,
Tom Jobim, Chico Buarque, Caetano Veloso, Tim Maia, Pixinguinha, Rita Lee,
Arnaldo Antunes. Limpar placas de rua é um serviço complicado e repetitivo, mal
se acaba a limpeza é preciso começar tudo de novo. Todavia, a dificuldade é
ainda maior, devido a duplicidade de nomes. Sim, a Rua Tom Jobim, por exemplo,
é dupla: uma na região leste e a outra ao norte. O limpador de placas tem uma
lista pregada na parede de sua casa para não se atrapalhar com a sequência do
trabalho semanal. O que é extraordinário na vida do limpador de placas é que
ele é amigo dos poetas, dos escritores e dos compositores, vivos ou mortos. Em
Dídimo há um limpador de placas que assobia
canções enquanto trabalha, lê para conhecer novas palavras e aprecia a
poesia que está em tudo o que ele faz.
O
limpador de placas, depois de conhecer um dos poemas de Roseana Murray, passou
a entregá-lo pela manhã, manuscrito em pedacinhos de papel, para cada um dos
seus colegas. E relê o poema em voz baixa:
nas
primeiras horas da manhã
desamarre
o olhar
deixe
que se derrame
sobre
todas as coisas belas
o
mundo é sempre novo
e a
terra dança e acordo
e,
acordes de sol
faça do seu olhar imensa caravela
do livro Rotas do Imaginário, de Delcio Antônio Agliardi (Liddo Editora: Caxias do Sul, 2018).
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