O dia 24 de fevereiro de 1981, de acordo com o professor Mário Gardelin (1928-2019), foi a “data limite” da literatura vêneto sul-rio-grandense em Caxias do Sul. Segundo Gardelin, o livro Os Pesos e as Medidas, de ÍTALO JOÃO BALEN, que tinha sessão de autógrafos agendada na Casa da Cultura, era “aguardado com muito interesse”, pois, com ele, a literatura típica ganhava “novo rumo”. Que o autor não acompanhou. “Morreu levando consigo muitos projetos”, conforme Gardelin. Esse depoimento está registrado em Imigração italiana no Rio Grande do Sul: fontes literárias, coedição da EST/EDUCS em 1988.
Ítalo João Balen nasceu em 28 de julho de 1917, e fora as funções administrativas, sociais e políticas que exerceu na cidade, foi jornalista e poeta. Como jornalista, fundou o jornal A Época, “Jornal da mocidade em prol das aspirações coletivas”, que teve sua primeira edição em 2 de outubro de 1938 (Balen, na época, era também secretário-geral do município, convidado pelo prefeito Dante Marcucci). Até 17 de agosto de 1958, quando o jornal deixou de circular, ocupou o cargo de diretor e assinou uma coluna com o pseudônimo de João Piracicaba.
Por trás do heterônimo, Balen traduziu o poeta veronense Emílio Salgari (1862-1911), autor de As maravilhas do ano 2000, que assinava a coluna “Páginas Soltas” em 1939. Por sua vez, as crônicas de Piracicaba retratavam o cotidiano da Caxias depois do entreguerras, onde podia se ler sobre a criação da Escola de Artes e Ofícios, em 1939, uma iniciativa do empresário Júlio João Eberle (1908-1987), à frente do Rotary Club, e do advogado e poeta Olmiro de Azevedo (1895-1974), mas também historietas de amor. Como tabelião, compilou material de estudo referente à área, na falta de biografia (SIMAS in VÁRIOS, 1998).
Com Os Pesos e as Medidas, Balen foi premiado no Concurso Apesul em 1978. A partir do reconhecimento do poemeto, a Câmara Municipal de Caxias do Sul instituiu o dia 28 de julho como o Dia da Poesia Vêneta. Gardelin registra que o livro fixa “o momento de retorno ao linguajar da década de vinte, quando Frei Paulino redigia e publicava Naneto Pipeta” (1988, p. 78). O poema de Balen evidencia dois aspectos: “as possibilidades literárias do vêneto, quase uma descoberta entre nós; e marcam a volta ao seu cultivo puro, volta essa que, pelo menos no terreno literário, deverá acentuar-se”, entusiasmava-se o pesquisador (1988, p. 79).
Para Gardelin, “Os Pesos e as Medidas é o poema de Caxias do Sul” (1988, p. 79). Em 2015, quando foram celebrados os 140 anos da imigração italiana para o Rio Grande do Sul, a historiadora Loraine Slomp Giron comentou que a organização da 31ª Feira do Livro de Caxias do Sul teve a oportunidade de homenagear alguns escritores que dariam sentido à celebração do livro e da data. “A literatura de Caxias é quase tão antiga quanto sua história, em quase século e meio de história há muito que lembrar. Para os esquecidos da história da literatura local, ou para aqueles que ignoram basta lembrar alguns deles”, escreveu a professora. Referia-se, além de Balen, ao historiador Carlin Fabris (1889-1975), ao poeta Natal Chiarello (1913-1945) e ao pesquisador Zulmiro Lino Lermen (1917-1997). Mais do que “enterrar talentos”, parafraseou Loraine, os organizadores “buscaram fora de casa aquilo que nela poderia ser encontrado” – referindo-se ao homenageado daquele ano.
Mas, na 31ª Festa Nacional da Uva, em 2016, ao lado do historiador João Spadari Adami (1897-1972) e de outras personalidades da cultura da imigração – o frei Aquiles Bernardi (1891-1973), o antropólogo Thales de Azevedo (1904-1995), o ilustrador Carlos Henrique Iotti (1964), a antropóloga e historiadora Cleodes Maria Piazza Júlio Ribeiro (1939) e o escritor José Clemente Pozenato (1938) –, o poeta foi lembrado.
Astrônomo amador, Ítalo Balen morreu em 13 de fevereiro de 1981, em Torres. Para a cidade litorânea, dedicou o soneto “Netuno na praia da Cal”, em duas partes, publicado originalmente no jornal Correio do Povo de 31 de dezembro de 1970, e recuperado no livro Poetas do Passado (DALL’ALBA; DAL BÓ, 1999). Nele, o poeta engaja-se no movimento para impedir a destruição do Morro das Furnas (Torre do Meio), na Praia da Cal (assim conhecida por abrigar, em épocas passadas, olarias para o fabrico de telhas e tijolos fabricados a partir da exploração dos sítios arqueológicos existentes na área, prática que resultou no desmonte e na destruição de diversos sambaquis da praia de Torres). O artigo “Campos dos Bugres” pode ser encontrado no álbum Caxias do Sul, a metrópole do vinho, livro do jornalista Duminiense Paranhos, publicado em 1958.
Fora isso, voltemos a citar o professor Gardelin: “Ítalo Balen continua conosco com o seu poema, o mais belo, o mais expressivo e o que de melhor se compôs, utilizando uma língua desprezada, combatida e considerada inútil” (1988, p. 93). E lembremos do personagem Quelbel Pineto, que conversa com o jovem Ítalo, em tom profético: “Quando nesta cidade – digo-o eu – não se farão mais casa de madeira – porque os pinheiros já se foram todos – mas de tijolos, pedra ou só cimento; quando vocês terão, em cada canto, escolas, vias, fábricas e carros e coisas que em pensar me causam medo. E se a existência desta nossa terra, no porvir, será inferno ou paraíso, é algo que não sei te predizer.”1
Para tudo há um limite, até para o esquecimento – ele é membro efetivo da Academia Caxiense de Letras (ACL), patrono da cadeira n. 34, de acordo com a ata fundadora de 1989. Como epitáfio, alguns versos a serem eternizados: “Na árvore da existência, há mortes diferentes./ Muitos caem como folhas, e poucos como semente” (A partir de ADAMI, 1971; DAMO, 2006; BERTUSSI, ZINANI, SANTOS, 2006; DALL’ALBA, DAL BÓ, 1999; GARDELIN, 1988; HOFFMANN, MASCIA, 1991; SIMAS in VÁRIOS, 1998; STAWINSKI, 1987; http://falamemoria.blogspot.com/2015/10/das-raizes.html; http://futilidadesliterais.blogspot.com/2014/04/a-reflexao-do-pineto.html1)


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