O paulista JOSÉ PAULO PAES destaca-se no cenário nacional a partir da segunda metade do século XX pela elaboração de sua poesia. Depois da “geração de 45”, um novo grupo de poetas repropõe “alguns problemas importantes de poesia”. Entre eles, estão Manoel de Barros (1916-2014), Paulo Mendes Campos (1922-1991), Hélio Pellegrino (1924-1988) e Lêdo Ivo (1924-2012), literariamente conhecidos como a “geração de 47”. Com o livro Novas Cartas Chilenas, de 1954, em alusão ao poeta Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810), José Paulo Paes define “uma das componentes centrais do clima literário nos anos 60”: as tensões sociais e o engajamento político; e, com Anatomias (1967), dialoga com a experimentação concretista ao lado de Pedro Xisto (1901-1987) e Wladimir Dias Pino (1927-2018), para citar alguns (BOSI, 2000). Porém, sobre o assunto geracional, em entrevista publicada na revista Cult, de maio de 1999, que tinha teor inédito até ser divulgada, por ocasião de uma homenagem prestada ao poeta pelo Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada (USP, 25 de março), ele minimiza: “Acho que essa coisa de geração é muito relativa. [...] A minha preocupação sempre foi a de achar minha própria voz, e ela é minha e não de uma geração” (1984, p. 44).
Nascido em 22 de julho de 1926, em Taquaritinga (SP), mudou-se para Curitiba (PR) em 1944 com o propósito de estudar no Instituto de Química – onde fez o curso em quatro anos e diplomou-se como químico. “Não obstante as inclinações literárias, descartei desde logo o curso de Letras: me dava arrepios a só ideia de ser professor de português e ter de ensinar gramática”, admitiu (in MASSI, 1991, p. 184). A mudança para a capital paranaense também o aproxima de escritores, jornalistas, artistas plásticos a partir do momento em que passou a frequentar o Café Belas Artes – onde viveu o seu “ritual de batismo literário” e onde vivenciou a experiência de “uma espécie de empresa associativa comunal” (1999, p. 42). Foi lá, segundo ele, que conheceu “pela primeira vez na vida um poeta de verdade” – no caso, o gaúcho Glauco Flores de Sá Brito (1919-1970), de Montenegro, radicado em Curitiba.
O primeiro livro, O Aluno, é publicado em 1947, por iniciativa e com projeto gráfico do pintor Carlos Scliar (1920-2001), com recepção favorável do crítico Sérgio Milliet no jornal O Estado de São Paulo (“que me pôs a andar nas nuvens uma semana inteira”) e uma “carta simpática, mas severa” do poeta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), uma “sacudida” que ele reconheceu, mais tarde, como decisiva para sua orientação poética. Ele conhecera o poeta mineiro durante o 2º Congresso Brasileiro de Escritores, realizado em Belo Horizonte (MG) naquele mesmo ano. Depois, em 1952, veio a plaquete Cúmplices, com 50 exemplares e dois desenhos originais, em cores, de Nenê, ou melhor, Oswald de Andrade Filho. Foi naquele ano que ingressou na seção paulista da Associação Brasileira de Escritores, onde exerceu a função de secretário e ministrou cursos de literatura. Em 1958, apresentaria-se com Epigramas, onde já se revelava “um poeta de voz própria”, sem tanta influência de Drummond e Murilo Mendes (1901-1975).
O livro foi publicado um ano depois de ter iniciado suas colaborações com a revista Joaquim, fundada e dirigida pelo escritor Dalton Trevisan (1925). Sobre Joaquim, José Paulo Paes disse, na entrevista à Cult: “[...] foi a revista mais bem lograda, mais conhecida e mais representativa por seu caráter combativo. As academias tinham horror a ela, não sabiam o que aquilo significava, achavam que era feita por um bando de loucos, o que nos enchia de orgulho” (1999, p. 42). A revista, que circulou entre 1946 e 1948 (período pós-guerra) caracterizava-se pelas discussões sobre a democracia e o socialismo em âmbito nacional, e pela projeção das artes em âmbito regional. O fim da publicação, cogita-se, deveu-se à aceitação nacional, ao reconhecimento que obteve e ao risco de institucionalizar-se e deixar de ser contestatória e polêmica.
Na década de 1960 passou a trabalhar na Editora Cultrix (até 1982), o que o levou a acreditar que a função o favoreceria na produção de sua obra. Na verdade, o que constatou foi o contrário. Reconheceu, mais tarde, que, “cuidar profissionalmente dos livros alheios faz a gente negligenciar os próprios” (in MASSI, 1991, p. 189). Mas o trabalho na editora, entre outras coisas, o aproximou de Cassiano Ricardo e do grupo dos concretistas, com quem encontrou afinidades – publicou alguns poemas na revista Invenção. “A preocupação anti-retórica dos concretos, sua ênfase na medula ideogrâmica das palavras vinha ao encontro da concisão epigramática que eu já cultivava”, disse (in MASSI, 1991, p. 190) – vide Anatomias, Meia Palavra (1973) e Resíduo (1980). Depois destes viria Calendário Perplexo (1983) que abre a retrospectiva Um por todos (1986), com apresentação do crítico literário Alfredo Bosi, e que torna “mais perceptível que a força poética da obra se dá no agrupamento dos poemas isolados, pois revela linhas de continuidade e de superação da construção da ‘voz própria’, que o poeta procura desde a publicação de O Aluno”.1
Em 1985, pela coleção Claro Enigma, organizada por Augusto Massi, José Paulo Paes publica A poesia está morta, mas juro que não fui eu, em que dá “adeus à poesia mais visual” e parte “para uma poesia de fôlego mais largo”2. A ironia do título está presente, também, em Prosas seguidas de odes mínimas (1992), que carrega nos tons memorialistas e é bastante diferente dos livros anteriores, influenciado por um assunto bastante pessoal: o poeta sofreu uma necrose no pé esquerdo, que o obrigou a amputar a perna. Vieram, ainda, A meu esmo (1995), De ontem para hoje (1996), Um passarinho me contou (1997), Melhores Poemas (1998), Uma letra puxa a outra (1998), Ri melhor quem ri primeiro (1999) e Um lugar do outro (1999).
As traduções – de Charles Dickens, Joseph Conrad, Laurence Sterne, W.H. Auden, William Carlos Williams, Paul Éluard, Hölderlin, Rilke, Lewis Carrol, Ovídio, Aretino e Níkos Kazantzákis, entre outros – ocupam um lugar especial na carreira literária do escritor. José Paulo Paes foi autodidata no aprendizado das línguas inglesa, francesa, italiana, alemã, espanhola, dinamarquesa e grega (“quando eu comecei a me interessar pela grande literatura, boa parte dela não existia em português”3) e dedicou-se à tradução de autores da língua fantástica, da poesia erótica e do modernismo grego. Suas escolhas e seu cuidado nas traduções podem ser assim definidos: “Voltados inicialmente para um público não especializado e originalmente publicados em periódicos, seus textos têm o objetivo de formar o leitor comum para os sentidos da obra literária, devolvendo-lhe o prazer da leitura.”4
Em Poesia Moderna da Grécia (1986), por exemplo, selecionou, traduziu, fez o prefácio, assinou os textos críticos e orientou o leitor com notas sobre as obras e os autores do país considerado “o berço da civilização”. Entre os resultados do trabalho, recebeu do presidente da Grécia a Cruz de Ouro da Ordem de Honras, por suas traduções do grego antigo e moderno em 1989. Seu trabalho, como poeta, lhe rendeu outros prêmios, como o Jabuti de Literatura Infantil de 1991, pelo livro Poemas para brincar – um dos livros do autor voltados para o público jovem.
Ao morrer (em 9 de outubro de 1998), José Paulo Paes deixou para os leitores de todas as idades textos de indiscutível qualidade literária, incluindo ensaios em sua fortuna crítica – em 2001, ainda foi publicado o livro Socráticas. Tendo estreado ao lado de personalidades como os poetas Ferreira Gullar e Haroldo de Campos, e percorrido um caminho prolífico entre a produção própria e as traduções, representa um “exemplo de vitalidade de um entendimento moderno, lato sensu, da poesia como síntese de afeto e imagem, ritmo e pensamento”, assegura Bosi (2000, p. 488). Em entrevista à Folha de São Paulo5, em 1995, modestamente sugeriu: “Acho que o indivíduo hoje tem que poder defender seu direito à desinformação, porque ele é bombardeado por uma quantidade espantosa de informações, e 99% delas são totalmente irrelevantes.” (A partir de BOSI, 2000; MASSI, 1991; revista Cult, maio, 1999; http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa2445/jose-paulo-paes1, 4; https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1995/11/12/mais!/28.html2, 3, 5;


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