gosto de lua
da lua cheia
mas tenho cabelos curtos
e a memória estendida
sou magro pálido tenho orelhas compridas
e só ando com camisas de mangas
olhando pro chão
– todo o cuidado é pouco
nesta cidade esburacada!
alguns dizem q fui mordido
algum dia distraído
caminhando pela floresta escura
sozinho
– quanta bobagem!
as pessoas se evitam só porque
ninguém mais gosta de quem anda sozinho.
nem há mais florestas em nosso caminho!
não tenho culpa
por ser o último filho homem
o sétimo filho da maldição.
minha mãe tinha religião
mas não tinha dinheiro
pro ritual do jordão
me chamam por tantos nomes
de licantropo. versipélio. werewolf.
hamtammr. lubishome. lobisomem.
e outros mais.
e um dia quis a poeta*
q eu tivesse outro gênero
q eu também fosse conhecido como
lobiswoman.
enquanto ruge
minha fome
urge rever a numerologia
– não gosto mais do número SETE
ainda assim
todas as noites de terça ou de sexta
visito os mesmos SETE locais
SETE pátios de igrejas
SETE vilas das redondezas
e SETE encruzilhadas
cachorros não gostam de mim
eu já não consigo me olhar no espelho
sem pensar numa gilete
mas o SETE,
insistem
– o número da perfeição, q integra os dois mundos
o símbolo da totalidade
do Universo em transformação
associado à espiritualidade
à introspecção ao ocultismo...
tenho medo disso tudo
medo de bala de prata perdida
untada em cera quente
de uma vela q queimou
em três missas de domingo
tenho medo q alguém me bata na cabeça
medo q alguém me corte
por isso, tomo cuidado
e alerto:
é noite de lua cheia:
escondam os bebês não batizados
esperem o dia nascer
o sol trazer nova esperança
de um dia eu poder voltar
viver como apenas um homem
gosto de todas as luas – sou poeta das ruas!
gosto da noite por causa das estrelas
mas não me confunda
me faça um afago
não tenha medo
sou cão q ladra
mas sei quando largar o osso
– não se assuste se eu abanar o rabo.
* ledusha: “feminista sábado domingo segunda terça quarta quinta e na sexta / lobiswoman” (de leve, fissura e fissura. são paulo: brasiliense, 1984. coleção cantadas literárias, n. 27, p. 87.
Poema publicado em Misterioso Sul – Lendas em Poemas, com Helô Bacichette, Nil Kremer e André Ricardo Aguiar (Elos do Conto - Edição e Arte, 2018)
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