Um dos primeiros poetas da década de 1970 a usar o
mimeógrafo para divulgar poesia, vendida em pequenas tiragens pelas ruas do Rio
de Janeiro – os 100 exemplares de Muito
prazer, Ricardo (1971) e o “envelope-bomba” Preço da passagem (1972) –, reunida em Drops de Abril, livro da Brasiliense em 1983 (Cantadas Literárias,
nº 16), junto com os poemas de América
(1975), publicados originalmente na Coleção Vida de Artista, e o que ele
identifica como “primeiros poemas”, em Boca
Roxa (Nuvem Cigana, 1979), ele foi "enquadrado" na chamada “geração marginal”
(“aquela que
engloba autores que não apenas têm dificuldades de publicação e encontram meios
alternativos para saná-las, mas também autores cuja produção literária possui
traços em comum”, como define Camila Del Tregio Esteves) e na “geração mimeógrafo” – fruto da contracultura dos
anos 60, que contestava a Ditadura Militar, mas que hoje assiste seus
protagonistas imersos em um processo civilizatório. “A Ditadura Militar se
civilizou. Saiu da caserna e anda de helicóptero e jatinhos, alguns cheios de
cocaína”, disse, criticamente, em entrevista para Paulo Henrique Pompermaier,
publicada na edição virtual da revista Cult1.
CHACAL é Ricardo Carvalho Duarte, poeta
visceral nascido em 24 de maio de 1951, que, entre América e Boca Roxa, foi
incluído na importante antologia 26
Poetas Hoje, organizada em 1975 por Heloísa Buarque de Hollanda – na
apresentação, ela sinaliza: “os novos poetas voltam-se agora para o modernismo
de 22, cujo desdobramento efetivo ainda não fora suficientemente perseguido
[...] a incorporação poética do coloquial como fator de inovação e ruptura com
o discurso nobre acadêmico” (in 1998, p. 11, 6ª edição) – em 1998 ela repetiria
o gesto, embora sem a “seleção objetiva na produção poética de uma época” (in
1998a, p. 9). Sob o selo da editora Nuvem Cigana, formada com Charles Peixoto,
Bernardo Vilhena e Ronaldo Bastos, publicou, ainda, Quampérius (1977) e Naris
Anis (1979). Ao lado de Bruno Levinson e Guilherme Zarvos, criou, em 1990, o
CEP 20.000 (Centro de Experimentações Poéticas), espaço que congrega poetas e
artistas a fim de agitar a vida política e cultural da capital carioca, que desde
2015 é dirigido por Gabriel Lessa, Juliano Lessa, Bianca Marzulo e Mariana
Milani, da banda Netuno. Sobre a institucionalização da poesia, da literatura
de forma geral, é categórico: “Toda institucionalização é redutora. Fica presa
à eterna reprodução de um cânone discutível, mesa farta para professores e
críticos e não procura entender e valorizar o tempo presente e as gírias que
vão pintando.”2
Depois vieram as
crônicas publicadas nos jornais Folha de
São Paulo, Jornal do Brasil e Correio Brasiliense, em Comício de Tudo – Poesia e Prosa (1986),
os poemas de Letra Elétrika (1994), Posto Nove (1998), A vida é curta pra ser pequena (2002), a antologia Belvedere (2007, que marcou os 35 anos
de carreira e estava acompanhado de uma edição fac-símile de Quampérius), o romance autobiográfico Uma história à margem (2010), novas
poesias em Seu Madruga e eu (2015) e,
em 2016, Tudo (e mais um pouco), onde
reúne 15 livros de poesia e uma peça teatral autobiográfica. Para Pompermaier, na
edição virtual da Cult, ao ser
perguntado sobre o espaço para a poesia independente, ele afirmou: “A poesia só
existe porque é independente. Não depende do mercado para sobreviver. É uma
mercadoria sem valor de mercado. Isso permite experimentações que outras
linguagens têm que reprimir por causa desse mercado, como a música de 3 a 4
minutos com primeira, segunda e refrão, o filme curta e longa metragem,
colorido, com atores conhecidos. A poesia pode inventar mais à vontade.”1
A poesia de Chacal, assegurou o poeta Paulo Leminski (1944-1989), “não precisa
de nenhum álibi para existir” (in CHACAL, 1986).
Ainda na década de
1980, Chacal passou a trabalhar com grupos de teatro, música e dança; escreveu Aquela coisa toda, para o grupo Asdrúbal
Trouxe o Trombone (do disco A Farra da
Terra, 1983), e Recordações para o
futuro, para o grupo Manhas & Manias (com quem participou da criação do
Circo Voador, movimento que mudou os rumos da cultura brasileira). Aproximou-se
do BRock, escrevendo letras para Patrícia Travassos e Evandro Mesquita, da
banda Blitz (criada em 1982).
Inspirada no poema Relógio (em Drops de Abril, p. 62), a dupla estadunidense Sofi Tukker lançou a
canção “Drinkke”, em 2016, cantada em inglês e português e nomeada para o 59ª
Grammy Award como Melhor Gravação de Dança (2017) – são mais de 40 milhões de
visualizações no Spotify e serviu de fundo musical em uma conferência da Apple.
O duo ainda produziu a canção “Energia”, em parceria com o poeta. Na entrevista
à Pompermaier, depois de reverenciar Oswald de Andrade (1890-1954), concluiu,
sobre os 45 anos de atividade artística: “Fiz o barulho necessário para ouvirem
o meu silêncio.” (A partir de CHACAL, 1983, 1986; ESTEVES, 2014; HOLLANDA, 1998, 1998a.; POMPERMAIER in https://revistacult.uol.com.br/home/63970-2/1,2;
https://oglobo.globo.com/cultura/teatro/chacal-entrega-cep-20000-uma-nova-geracao-de-produtores-evoca-sua-historia-em-peca-15958565)
Comentários
Postar um comentário