Um dos mais populares autores do underground estadunidense, GILBERT SHELTON nasceu em 31 de maio de 1940, no Texas. Durante um tempo, o desenhista, formado em ciências sociais, foi “professor de segundo grau e humorista de jornal universitário”, contam Patati e Braga, mas “acabou se engajando muito mais no mundo editorial e de desenho de humor” (2006, p, 106). A irreverência de Shelton se fez presente já primeiro personagem criado por ele, o Wonder Wart-Hog, o “Suíno de Aço”, uma paródia do Super-Homem a partir da história de um porco “possuidor de um pênis ‘desvantajado’ e de um apetite sexual neurótico”1, publicada em 1965 na revista Help (do criador da Mad, Harvey Kurtzmann,1924-1993), além de ser “machista, reacionário, repressor e chauvinista”, como lembra o jornalista/escritor Eduardo “Peninha” Bueno (in SHELTON, 1986). Na sequência, movidos a sexo, drogas e rock’n’roll, acrescido de muito álcool, festas e debates políticos, e dotados da capacidade de não fazer nada, vieram o guloso Fat Freddy, o inventivo Phineas Freak e o iconoclasta Freewheelin Franklin os Freak Brothers, criados em 1967, que agitavam sob o sol da Califórnia nos tempos da contracultura (que, para os quadrinhos, significou a introdução de elementos radicais, tanto na temática quanto na linguagem) e das revoltas estudantis, metidos em divertidas confusões e envolvidos em nuvens de maconha ou chás de mescalina/peiote e cogumelos, além das “figurinhas” de LSD. Com The Freak Brothers, Shelton ”ironiza e denuncia o ilusório ‘sonho norte-americano’”, afirma Goida; ao mesmo, eles servem também como “ridículas figuras de uma sociedade marcada pelo moralismo de fachada e um reacionarismo selvagem” (1990).
De acordo com “Peninha”, eles são “arquétipos do imaginário hippie, os estereótipos mais genuínos e engraçados da época do flower power – a do ‘paz e amor, bixo’”, e foram, “ao lado do Mr. Natural e de Fritz, the Cat, de Robert Crumb, as criações mais consistentes a emergir da movimentada cena dos quadrinhos underground norte-americanos” (in SHELTON, 1986). Por falar nele, Shelton e alguns amigos fundaram uma editora em 1969 e, por ela, editaram um livro de Crumb, chamado R. Crumb’s Comics and Stories. E, assim como Crumb criou um felino personagem (em 1965), Shelton também tem o seu: o cínico gato de estimação de “Gordo” Freddy, comilão que nem o dono, ambos dotados de uma capacidade de comer tudo o que aparece pela frente – menos os ratos que habitam os lugares onde moram – quando a larica aumenta depois de cada sessão de narguilé. O sucesso do gato foi tanto que em 1988 a L&PM incluiu na Coleção Quadrinhos As aventuras do gato do Fat Freddy (um segundo volume saiu em 1989). Antes disso, aliás, os Freak Brothers só tiveram uma aparição brasileira: foi na revista Grilo, em 1971, que também trouxe para os leitores brasileiros, em suas 48 edições, as tiras de Charles Brown e sua turma, de Charles M. Schultz, Valentina, de Guido Crepax, e O mago de Id, de Brant Parker e Johnny Hart. Em 2004 o quarteto ganhou uma nova edição, mais caprichada, pela Conrad, Fabulous Furry Freak Brothers, com direito a uma introdução quadrinizada feita pelo autor, onde ele explica a existência “real” dos Freak Brothers e, para isso, faz um retrospecto dos últimos 10 anos nos Estados Unidos (o livro lá saiu em 2001), com tiras com histórias do gato, criado em 1969 e inspirado no Krazy Kat, de George Herriman (1880-1944), no rodapé – a exemplo da edição da L&PM lançada em 1986.
Antes de publicar os Freak Brothers, Shelton fez muitos pôsteres contraculturais. Em 1968, saiu a primeira história dos três, no gibi Freak’n’Heads No ano seguinte eles apareceram semanalmente nas páginas do jornal East Village Other e mensalmente no Gothic Blimp Works, de Nova York. Em 1970 as aventuras malucas dos Brothers foram publicadas num álbum pela Rip Off Press e, como diz Shelton, “começou a nascer o império” (in 2004), numa alusão à quebra de monopólio das grande editoras. Chegaram os anos 70 e os Freak Brothers apareceram, uma vez por semana, nas páginas do jornal Los Angeles Free Press e em seguida, em um novo álbum, também pela Rip Off Press. Entre 1974 e 1976, Shelton contou com a colaboração do escritor Dave Sheridan (1943-1982), com quem publicou “Odisséia Mexicana” e “Grass Roots”, ambas na edição brasileira de 1986, histórias longas que antecederam as primeiras páginas coloridas; uma delas, “Inverno de 59”, foi publicada na revista Playboy (1974) e outras nas páginas da revista fundada por Tom Folgade, High Times, que defendia a legalização da cannabis (1977-1978).
Sheridan trabalhou até o início da década de 1980, quando se afastou por motivo de doença; em 1982, morreu devido a uma queda no hospital, onde começara o tratamento contra o câncer. Paul Mavrides, que havia se unido à dupla, deu sequência ao trabalho (no segundo volume de Fabulous Furry Freak Brothers); na história “Phineas’ Big Show” há a participação do cartunista alemão Gerhard Seyfried. As HQs dos Freak Brothers encontram restrições na Inglaterra, no começo da década de 1980. Foi preciso “dar um migué” na alfândega para que os livros fossem importados, mas a alegria durou pouco: em 1982 a editora Knockabout Press foi invadida pela polícia, que confiscou diversos títulos, incluindo os de Shelton, “sob a alegação de violar o Ato Britânico sobre Publicações Obscenas” (in SHELTON, 2004).
Enquanto isso, nos Estados Unidos, as editoras e os quadrinhos underground, mais as “head shops” (lojas que vendiam cachimbos e toda a parafernália útil para fumar maconha, como se vendessem acessórios para fumar tabaco) sofreram pressão durante o governo de Richard Nixon (1913-1994). Foi só no final dos anos 70, quando as lojas especializadas em quadrinhos ganharam espaço, é que houve a retomada no consumo de HQs. Sobre o “retorno” dos Freak Brothers, Shelton faz uma ponderação: “se alguém disser que conhece o Fat Freddy original, saiba que está mentindo, principalmente sob o ponto de vista que, se alguém algum dia viveu como o Fat Freddy, devia estar morto há muito tempo” (in 2004). Em 2010, palestrou na 43º Feira do Livro de Porto Alegre (RS); no mesmo ano, participou da 8ª edição da Flip, em Paraty (RJ), quando, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo (24.7.2010), admitiu que não teria condições de contar mais histórias caso vivesse no ritmo dos Freak Brothers. Desde 2012, envolveu-se com os roteiros para as HQs da “banda de rock menos famosa do mundo”, a Not Quite Dead (série criada em 1992), com o ilustrador Pic, pseudônimo de Denis Lelièvre, autor da série Pic and Zou, publicada desde 1998 na revista franco-belga Spirou. De 2010, Not Quite Dead – O Último Show ganhou edição no Brasil em 2012, com tradução de Ludimila Hashimoto. Desde 1990, Shelton mora na França, com Lora Fountain, esposa e também agente literária. (A partir de GOIDA, 1990; SHELTON, 1986, 1988, 2004; MOYA, 1993; PATATI, BRAGA, 2006; http://cinezencultural.com.br/site/2012/05/31/not-quite-dead-o-ultimo-show-gilbert-shelton/; https://blog.saraiva.com.br/o-mundo-comico-de-gilbert-shelton/ https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1997/11/10/ilustrada/19.html1 e outros)

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