Foto: Arquivo Jornal do Comércio
MARIA
CARPI é poeta, nascida em 27 de maio de 1939 em Guaporé (RS).
É também professora, advogada e defensora pública. Publicou o primeiro livro em
1990, Nos Gerais da Dor (prêmio de
Revelação Poesia pela APCA), e, no ano seguinte, Desiderium Desideravi.
Apresentou ainda, aos leitores, uma seleção pessoal
de poemas em Pequena Antologia
(1992), os livros Vidência e Acaso
(1993), Os cantares da semente
(1996), uma nova antologia, O caderno das
águas (1998), A migalha e a fome
(2000), A força de não ter força (2003),
As sombras da vinha (2004), O herói desvalido (2005), Abraão e a encarnação do verbo (2009), A chama azul (2011), O senhor das matemáticas (2012), O perdão imperdoável (2014), O desvario do pólen e O cego e a natureza morta (2016). Além
dos livros individuais, também participou de diversas antologias e revistas
especializadas.
Integrou o Conselho Estadual dos Direitos da
Criança e do Adolescente, como defensora pública, e a OAB/RS – é membro do
Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul –, e representou a Associação dos
Escritores Gaúchos (AGES) no Conselho Estadual de Cultura.
Em 2018 foi escolhida como patrona da 64ª
Feira do Livro de Porto Alegre, sendo a sétima mulher a ocupar o posto,
ocupado, então, por Valesca de Assis, e, antes desta, por Cíntia Moscovich.
Entre outros prêmios, recebeu o de Melhor Livro de 2004 (As sombras da vinha), concedido pela AGES, o Prêmio Erico Verissimo
(1991), o Açorianos, em 1997 e 2004 (pelos livros Os cantares da semente e A
força de não ter força) e menção honrosa no Prêmio Casa de Las
Americas/Cuba, em 1999, por As sombras
das vinhas, então ainda não publicado.
* * * * *
NOS GERAIS DA DOR
Se
um pássaro não tivesse asas,
seria
uma bala deflagrada, alta
noite,
tocha incendiada, mais um
insustentável
soluço no mar, se
um
pássaro não tivesse asas, se
arremessaria
contra a solidão,
contra
o peso, contra a laje de
si
mesmo, até que a imensidão
exilada
lhe estivesse, dentro,
desmedida,
revolta, sem asas.
* * * * *
A LAVOURA DA FOME (POEMA 23)
Minha
fome nunca é contemporânea
ao
fruto. Para não ofuscar-me, sempre
revela-me
a realeza de sua visitação,
revestindo-se
de cascas e andrajos.
A
saturação do alimento é o começo
da
escada em degraus de pele e olvido.
O
meu nascimento desnorteou
os
relógios d’água. Antes de surgir,
padecia
em teus sonhos. Saio
madura
de tua apetência para a luz.
O
meu nascimento foi puxar-te
para
as vinhas. Tua lentidão ao dar-me
a
alma, deu-me peso. Eu sou o fruto.
A
fome nunca é contemporânea a mim.
* * * * *
COISAS QUE FAZEM FALTA
Há
coisas que fazem falta
faltar.
Há presenças
que
mais comparecem
na
ausência. A morte
quando
comparece, falta.
A
falta do dia na noite
sempre
amanhece. Feliz
falta
que amadurece
os
corações ao encontro.
A
falta do amado mesmo
estando
perto ou longe.
Abraçamos
tudo o que
amamos
e mais abraçamos
com
sofreguidão o que
nos
falta, faltosos no amor.
Ao
eterno falta ser efêmero.
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