O escritor JOSÉ CLEMENTE POZENATO nasceu em 22 de maio de 1938, no distrito de Santa Teresa, em São Francisco de Paula (RS). Romancista, ensaísta, cronista, professor e poeta, começou a carreira literária com a publicação do livro Matrícula, em 1967, ao lado dos colegas Jayme Paviani, Ary Nicodemos Trentin (1942-2002), Oscar Bertholdo (1935-1991) e Delmino Gritti, integrantes do grupo Reunião. O livro Matrícula, considerado “uma poesia inaugural”, foi reeditado em 2007, em edição comemorativa aos 40 anos da publicação, organizada e apresentada por Flávio Loureiro Chaves e Cleodes Maria Piazza Julio Ribeiro.
Depois, vieram – só na poesia – Vária Figura (1971), Carta de Viagem (1981), Meridiano (vencedor da primeira edição do Concurso Anual Literário de Caxias do Sul, 1982), os poemas-textos de Estações, com fotografias de Ary Trentin e Aldo Toniazzo (1985), a edição especial e limitada de Canti Rústeghi (1993), e Mapa de Viagem (2000), que reúne 30 anos da produção poética do autor, acompanhada de uma fortuna crítica feita por Guilhermino César (1908-1993), Donaldo Schuler (1932), Rita Terezinha Schmidt e Eduardo Dall’Alba (1963-2013). “Embora venha me dedicando ao romance e à novela, que dão espaço maior para falar da sociedade em que vivo, continuo acreditando que certas experiências só podem ser expressas no formato do poema”, já disse uma vez.
Traduziu a obra do poeta italiano Francesco Petrarca (1304-1374), reunida em Cancioneiro e finalista do Prêmio Jabuti em 2015, em sua 58ª edição. Como ensaísta, ganhou seu primeiro prêmio literário com O regional e o universal na literatura gaúcha, publicado pelo Instituto Estadual do Livro (IEL)/Editora Mercado Aberto em 1974. O conto O caso do martelo (1984) e a história infantil Pisca-tudo (2001) foram transpostos para a televisão e o romance O Quatrilho (1985), a primeira parte de uma trilogia, completada com A Cocanha (2000) e A Babilônia (2006), participou da premiação da 68ª edição do prêmio de Melhor Filme Estrangeiro no Oscar de 1996, com direção de Fábio Barreto; em 1990 o grupo caxiense Miseri Coloni já levara o texto ao teatro.
Membro da Academia Sul-Brasileira de Letras e da Academia Rio-Grandense de Letras, já recebeu várias distinções, como o Troféu Caxias na categoria Cultura (1986), os títulos de Cidadão Caxiense (1991), Personalidade do Livro, da Câmara Rio-Grandense do Livro (1995), e Patrono da Feira do Livro da cidade de Farroupilha (2009); o Prêmio Caxias, da Câmara de Vereadores de Caxias do Sul (2015), e o Prêmio Reconhecimento Italiano da Serra (2015), oferecido pelo Grupo RBS para quem valoriza ações pela preservação da cultura italiana na região.

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O TEMPO IDO

Ela pela estrada me falava
de coisas e sorria e falava
e construía de tênues fios
um mundo constando de um ramo
de flores amarelas de mel
sobre a pedra, uma franja
de nuvem no dorso do horizonte,
um carrinho de lomba encostado
à porta de um menino ignoto,
de perfumes acres tais o das
grimpas dos pinheiros, de colinas,
de tardes pálidas e de cavalos
fortes, galopando, galopando...
e eu sabendo que os fios eram
demasiado frágeis, eram teias,
e que tudo isso era um mundo
há muito perempto ou não nascido,
embora desejável, talvez sonhado,
mundo de fadas e de brisas,
doce embalo com anjos, cortinados,
mas tangido, expulso, emborcado.

(de Vária Figura, 1971)

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DRUMMOND

À porta do dia
está o cão me esperando.
Cão, amigo violento
de carícias desconjuntas.

Ofereço-lhe Drummond:
ele o cheira e apenas.
É uma comida incomível
a dentes de cachorro

que com sabedoria
sabe que a cada hora
o canino pede o pão
ao gosto canino.

Hora de pão e de carne
hora de sono e de mosca
hora de grito e de guarda.
E tudo isso é Drummond

de que o cão não carece.
Careço-o eu, infeliz ser
que do cão não tem o faro
nem a sabedoria e a ciência

que a Drummond vou buscar.

(de Matrícula, 1967)


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DE UMA PAROLA TUA                        DE UM DITO
                                                          
Varda el ciel, blu, m’ai deto                              Olha o céu, azul, disseste.
vardo el ciel: e lù l’è griso                                 olho o céu: está grisalho.
‘l par um vècio co’l tabàro                                como um velho encapotado;
e de blu, so’ na s’cianta.                                  de azul, mal uma nesga.
           
E solo alora mi nincòrso,                                 E só então me dou conta,
‘l blu l’èera in to vosse                                     o azul estava em sua voz:
e per um miràcol, mi, i me òci                           e num milagre, eu, meus olhos
e ‘l di l’è tuto um sole.                                      e o dia fulguram sol.

(Canti Rústeghi/Cantos Rústicos, tradução de Cleodes M. Piazza Ribeiro, 1993)


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