Nascido em 13 de maio de 1901, o poeta MURILO MENDES se tornou conhecido,
primeiramente, pelas publicações em revistas do modernismo brasileiro, na
década de 1920, em contato direto com o movimento antropofágico de Oswald de
Andrade e, ao mesmo tempo, um dos escritores brasileiros com mais afinidade com
a vanguarda artística europeia; um “inventor” agressivamente moderno, ao lado
de Drummond e Guimarães Rosa (a Geração de 30).
Defensor da liberdade política e estética, a
crítica aponta para a forte tendência religiosa na poesia de Murilo: em 1934, o poeta converteu-se ao Catolicismo e integrou o chamado
“grupo de poetas religiosos”, do qual faziam parte Cecília Meirelles, Vinícius
de Moraes e Jorge de Lima. Em colaboração com Jorge de Lima, com
influências de Charles Péguy (1873-1914) e Paul Claudel (1868-1955), publicou Tempo e Eternidade (1935). O crítico
literário Alfredo Bosi (2000) destaca A
poesia em pânico (1937), As
Metamorfoses (1944) – “poemas de imagens desconcertantes, entre místicas e
sensuais, [que] consagram o homem e o valor da liberdade” (2000) – e
Poesia Liberdade (1947) como os
melhores livros de Murilo, pois neles o poeta deixa clara a perplexidade diante
de um mundo “todo errado”.
O livro Contemplação
de Ouro Preto (1954), em que Murilo altera a linguagem e concentra-se nas
antigas cidades mineiras e na atmosfera que as envolve, encerra um ciclo: a
partir daí, o poeta fará uso de outros processos estilísticos, que irá derivar
numa poesia mais despojada e, ao mesmo tempo, mais rigorosa. Em 1941, Murilo publica O Visionário, onde o aprofundamento e
essencialização da rebeldia de 1922 se fazem presente, conforme José Carlos
Paes (1997). Para o crítico Sebastião Uchôa Leite, em Tempo Espanhol (1959) ele muda “o paradigma poético” – de um
retrato “descritivo” para um retrato “linguístico” – que terá desdobramento em Convergência (1970), onde o poeta
“alcança a plenitude”, no entender de Ivan Junqueira (1993).
De forma geral, ele contribuiu, ao propor
diálogos com outros escritores da época, para que os poetas que vieram depois
dele continuassem a dar exemplos “da vitalidade de um entendimento moderno, lato sensu, da poesia como síntese de
afeto e imagem, ritmo e pensamento” (BOSI, 2000). No artigo “A meta múltipla de
Murilo Mendes”, Sebastião Uchôa Leite chama a atenção para o “conturbado
continente poético submerso, que surpreende pela atualidade” (2003), encontrado
no conjunto de obras reunidas pela ensaísta italiana Luciana Stegagno Picchio
em 1994, que identificou nos versos do poeta um “surrealismo lúcido” (in LEITE,
2003).
Ao morrer aos 74 anos em Portugal, no dia 13
de agosto de 1975, deixou alguns inéditos, publicados posteriormente tanto em
Portugal quanto no Brasil (Ipotesi, 1977;
A Invenção do Finito, 2002; e Janelas Verdes, 2003).
* * * * *
CANÇÃO
DO EXÍLIO
Minha
terra tem macieiras da Califórnia
onde
cantam gaturamos de Veneza.
Os
poetas da minha terra
são
pretos que vivem em torres de ametista,
os
sargentos do exército são monistas, cubistas,
os
filósofos são polacos vendendo a prestações.
A
gente não pode dormir
com
os oradores e os pernilongos.
Os
sururus em família têm por testemunha a Gioconda.
Eu
morro sufocado
em
terra estrangeira.
Nossas
flores são mais bonitas
nossas
frutas mais gostosas
mas
custam cem mil réis a dúzia.
Ai
quem me dera chupar uma carambola de verdade
e
ouvir um sabiá com certidão de idade!
* * * * *
O
MUNDO INIMIGO
O
cavalo mecânico arrebata o manequim pensativo
que
invade a sombra das casas no espaço elástico.
Ao
sinal do sonho a vida move direitinho as estátuas
que
retomam seu lugar na série do planeta.
Os
homens largam a ação na paisagem elementar
e
invocam os pesadelos de mármore na beira do infinito.
Os
fantasmas vibram mensagens de outra luz nos olhos,
expulsam
o sol do espaço e se instalam no mundo.
* * * * *
Não
basta o sopro do vento
Nas
oliveiras desertas,
O
lamento de água oculta
Nos
pátios da Andaluzia.
Trago-te
o canto poroso,
O
lamento consciente
Da
palavra à outra palavra
Que
fundaste com rigor.
O
lamento substantivo
Sem
ponto de exclamação:
Diverso
do rito antigo,
Une
a aridez ao fervor,
Recordando
que soubeste
Defrontar
a morte seca
Vinda
no gume certeiro
Da
espada silenciosa
Fazendo
irromper o jacto
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