O poeta carioca RONALD DE CARVALHO, nascido em 16 de maio de 1893, tinha 28 anos quando recitou “Os Sapos”, de Manuel Bandeira, na segunda noite da Semana de Arte de 1922, num ataque frontal aos parnasianos. O poeta já tinha publicado Luz Gloriosa (1913), Poemas e Sonetos (1919) e, naquele ano, Epigramas irônicos e sentimentais, livro que marca a adoção do verso livre pelo autor.
O poeta ainda publicaria Toda a América e Jogos Pueris (ambos em 1926), com ilustrações do pintor búlgaro Nicola de Garo (que tem a vida retratada no livro Nicola de Garo no Brasil: um roteiro de pesquisa, de Briquet de Lemos, publicado em 2017), reconhecido como o melhor livro de sua fase poética; seus poemas foram traduzidos para o espanhol, o italiano e o francês, e também fazem parte de uma antologia publicada no Peru em 1978. Espelho de Ariel (1923) e Estudos Brasileiros (três séries, de 1924 a 1931) se destacam entre seus livros de ensaios, estudos e memórias.
Ronald de Carvalho faleceu em 15 de fevereiro de 1935, num desastre de automóvel, no Rio de Janeiro, quando era secretário da presidência da República, no mandato de Getúlio Vargas (1882-1954).

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ENTRE BUENOS-AIRES E MENDOZA

                                                                   A Agrippino Grieco

Eu vi o pampa!
O pampa claro de aços e metaes. luzindo todo
nos raios limpos dos arados,
nas rodas lentas dos tractores.
nos trilhos brunidos, que disparam, rectos, debaixo do céo!
Eu vi a manhã do pampa,
com filas negras de caminhões rolando pelos trigaes,
num alegre rumor de klaxons. relinchos, mugidos. apitos,
assobios e ladridos;
Eu vi a luz da aurora, pulando ágil na cobertura de zinco
dos longos frigoríficos rectangulares.
escorrendo pelas vigas de ferro dos matadouros lavados pelo
orvalho,
chispando nas claraboias dos armazéns de xarque;

Eu vi as arvores do pampa, magras e compridas, jogando,
umas para outras, fios e fios telegraphicos;
Eu vi as estradas do pampa, cheias de automóveis e locomotivas,
de machinas compressoras,
tubos, turbinas, chaminés e caldeiras!
Eu vi calabrezes, genovezes, florentinos, syracusanos de
calças de velludo, debulhando espigas;
Eu vi agrônomos experimentando nitratos,
estancieiros pesados dirigindo Fords,
barracas de lona abafando vozes de todos os dialectos italianos.
.
Eu não vi nem um payador.
Eu não vi nem um criollo vestido de couro.
Eu não vi a sombra de Facundo, nem o punhal de Facundo,
nem o cavallo de Facundo varando os silêncios do ar...
Eu vi o pampa!
O pampa claro de aços e metaes,
luzindo todo
nos raios limpos dos arados,
nas rodas lentas dos tractores,
nos trilhos brunidos, que disparam, rectos. debaixo do céo!

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ÊXUL

Esse que sabe rir vai à festa da Vida...
– Quantos já vi passar neste longo caminho,
com os olhos postos no alto e a boca ressequida,
desejosa de sol, de pâmpanos e vinho...

Vão em busca do céu na alameda comprida
que se perde lá baixo... e eu sempre a olhar, sozinho
a audácia dos que vão para o orgulho da lida,
transpondo luar a luar, vencendo espinho a espinho...

– Caem rosas... depois... outras rosas vêm vindo...
outras rosas cairão... outras virão... e eu preso,
a ver os que lá vão pelo caminho infindo...

– Mas todos ao voltar trazem no passo triste
no lábio êxul, nas mãos senis, no olhar aceso,
a mentira imortal de tudo quanto existe...

(in "Os Sonetos do Sangue", do livro Luz Gloriosa, 1913)

  
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HOKUSAI

Nos charcos chatos
caniços verticaes
rompem rectos
a luz redonda...

A lua redonda
onde pula a carpa de Hokusai...

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