LUÍS ARANHA nasceu em 17 de maio de 1901, em São Paulo. Aos 18 anos, trabalhou como balconista em uma farmácia (então, drogaria), o que o inspirou para a composição do longo poema “Drogaria de éter e de sombra”.
Entrou em contato com os poetas modernistas a partir da publicação do artigo “O meu poeta futurista”, de Oswald de Andrade (1890-1954). Mas foi no convívio com Mário de Andrade (1893-1945) que seu nome passou a circular – a partir dos ensaios “A escrava que não era Isaura” e “Luís Aranha ou a poesia preparatória”.
Participou da Semana de Arte Moderna de 1922, justamente na conhecida “Noite da Vaia” (15 de fevereiro), logo depois da conferência de Menotti del Picchia, teve o reconhecimento de Sérgio Milliet e também de Manuel Bandeira, em sua Antologia de poetas brasileiros bissextos contemporâneos, de 1926.
Em junho de 1922, publicou nas páginas da revista modernista Klaxon os poemas “Aeroplano”, “Crepúsculo”, “Pauliceia Desvairada” e “Projetos”. Também foi publicado na Revista do Brasil e na revista Estética. Seus 26 poemas estão reunidos em Cocktails, de 1984, organizados pelo poeta Nelson Ascher (1958), alguns deles a partir de datiloscrito entregue a Mário de Andrade na década de 1920. Desde 2010, seus poemas foram traduzidos para o francês, o espanhol e o inglês, e publicados na Argentina, no México, na Espanha e nos Estados Unidos.
Trocou a poesia pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco, curso que concluiu em 1926, e pela diplomacia – a partir de 1934, residiu em vários países, até encerrar a carreira diplomática como embaixador no Ceilão (atual Sri Lanka).
O poeta faleceu em 29 de junho de 1987, três anos depois da publicação de Cocktails.

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O AEROPLANO

Quisera ser um ás para voar bem alto
Sobre a cidade de meu berço!
Bem mais alto que os lamentos bronze
Das catedrais catalépticas;
Muito rente do azul quase a sumir no céu
Longe da casaria que diminui
Longe, bem longe deste chão de asfalto...

Eu quisera pairar sobre a cidade!...

O motor cantaria
No anfiteatro azul apainelado
A sua roncante sinfonia...
Oh! voar sem pousar no espaço que se estira
Meu, só meu;
Atravessando os ventos assombrados
Pela minha ousadia de subir
Até onde só eles atingiram!...

Girar no alto
E em rápida descida
Cair em torvelinhos
Como ave ferida...

Dar cambalhotas repentinas
Loopings fantásticos
Saltos mortais
Como um atleta elástico de aço

O ranger rascante do motor...
No anfiteatro com painéis de nuvens
Tambor...

Se um dia
O meu corpo escapasse ao aeroplano,
Eu abriria os braços com ardor
Para o mergulho azul na tarde transparente...
Como seria semelhante
A um anjo de corpo desfraldado
Asas abertas, precipitado
Sobre a terra distante...

Riscando o céu na minha busca
Rápida e precisa,
Cortando o ar em êxtase no espaço
Meu corpo cantaria,
Sibilando
A sinfonia da velocidade.

E eu tombaria
Entre os braços abertos da cidade...

Ser aviador para voar bem alto!

* * * * *

PAULICEIA DESVAIRADA

Convulsões telúricas
Estésia
Fendas
Mário de Andrade escreve Paulicéia
Nem o sismógrafo de Pachwitz mede os tremores do teu coração
Ebulição
Sarcasmo
Ódio vulcânico
Tua piedade
Escreveste com um raio de sol
No Brasil
Aurora de arte século XX
Como na pintura Anna Malfatti que pintou o teu retrato
Catodografia
Um momento de tua vida estampado no teu livro
Roentgem
Raios X
Mas há todos os brilhos
Ar rarefeito de poesia
Kilômetros quadrados 9 milhões            
Tubo de Crookes
Os raios catódicos de teu lirismo colorem as materialidades incolores
Aquecimento
Todas as distensões e todas as liberdades
Sinto a vida cantar em mim uma alvorada de metal
O meu corpo é um clarim
Muita luz
Muito ouro
Muito rubro
Meu sangue
Eu sou a tinta que colore a tarde!


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