MANUEL BANDEIRA tinha 31 anos quando publicou, às próprias custas, os 200 exemplares do primeiro livro, A cinza das horas, em 1917 (pelas oficinas do Jornal do Commercio), poemas com tendências simbolista e pós-simbolista (quer dizer: melancolia e sofrimento), reflexo de sua estada na Suíça em 1912, quando lá esteve para tratar da tuberculose que desde 1904 o afetara (e onde desfrutou da companhia do poeta Paul Éluard), tendências literárias que também serão observadas em Carnaval (1919), este, bancado pelo pai. Os dois livros foram saudados com entusiasmo por Monteiro Lobato (1882-1948), sendo que o segundo teve ampla aceitação dos modernistas – embora não tenha participado diretamente da Semana de Arte Moderna em 1922, teve o poema “Os Sapos” lido por Ronald de Carvalho no Teatro Municipal, o que ligou o nome do poeta “de forma indissolúvel ao movimento vanguardista” (MIGUEL, 1988, p, 68), além de provocar vaias e gritos da plateia.


De Cinzas... até os últimos livros editados em vida, os poemas de Estrela da Tarde (1963) (Estrela da vida inteira, reunião de todos os poemas, foi monumental homenagem aos seus 80 anos; as últimas traduções são de 1957) e as crônicas de Os reis e os vagabundos... e Andorinha, Andorinha (1966), Bandeira imprimiu diversos ritmos e vozes em sua poesia, como a que utiliza em “Poética” – “a experiência de um conhecimento da solidão e de uma possibilidade de comunhão” (KOSHIYAMA in BOSI, 1996, p. 82) –, em que rompe com suas influências iniciais e sintetiza os ideários básicos do modernismo, ou o lirismo “quase impalpável” (CANDIDO, 1997, p. 24) que denota a evolução do fazer poesia em Estrela da Manhã (1936), por exemplo. Nascido em 19 de abril de 1886, no Recife, chamou-se um dia “poeta menor”, mas, além de uma poesia de ruptura e de libertação, “deixou uma notável bagagem de prosa crítica, havendo ainda muito o que aprender em seus ensaios sobre nossos poetas, lidos não só de um ponto de vista histórico, mas por dentro, como às vezes só um outro poeta sabe ler”, define Bosi (2000, p. 360-365). Foi também professor de literatura, crítico literário e crítico de arte; até ser diagnosticado com a doença, estudou arquitetura. Em 1940 foi eleito para a Academia Brasileira de Letras (ABL) e ocupou a cadeira de nº 24. “Poética” é do livro Libertinagem, obra de 1930, de maturidade modernista, que antecede Estrela da Manhã – neste, admite que sempre “Vivi em tête-à-tête com uma senhora magra, séria,/ Da maior distinção”. Mas Bandeira, mesmo que tenha convivido com a morte desde cedo, foi, e também é, “poeta do amor erótico e da volúpia carnal”, como aponta Junqueira; para o poeta, “o que está em jogo não é a alma – que ‘estraga o amor’ e só em Deus ‘pode encontrar satisfação’ –, e sim o corpo”. Em diversos poemas, nota o crítico, percebe-se a obsessão do poeta pela nudez feminina, fascínio que “assume por vezes insólitas configurações, incluindo-se aí as de natureza místico-religiosa” – e por vezes remete ao tema da prostituição. Ao longo de sua vida “foi intenso o convívio de Bandeira com as prostitutas, às quais dedicaria alguns de seus mais belos e comovidos versos”, afirma Junqueira – na época, “mulheres de trato e maneiras, elegantes e educadas, amiúde de origem europeia e afeitas não apenas à luxúria dos sentidos, mas também aos jogos do espírito” (JUNQUEIRA, 1993, p. 198-204). O adolescente que não se curou da tuberculose “persiste no adulto solitário”, diz Bosi (2000, p. 362). Mas, em “Vou-me embora pra Pasárgada”, de Libertinagem, Bandeira redime-se da doença e de todas as dificuldades inerentes. Ao se desligar da realidade, ele cria um mundo imaginário “num momento de fundo desânimo, da mais aguda sensação de tudo o que eu não tinha feito na minha vida por motivo da doença” (in CEREJA; MAGALHÃES, 2000, p. 386). Por fim, os versos de “Pasárgada” são um exemplo claro do que afirma Gonzaga: a poesia de Manuel Bandeira “enquadra-se na vertente mais clássica do espírito modernista, aquela em que se processa uma fusão entre a confissão pessoal e a vida cotidiana” (1998, p. 187; grifo do autor), propondo, no conjunto da obra, a liberdade vital e estética, de forma autoirônica e biográfica. Sua morte, em 13 de outubro de 1968, aos 82 anos, foi duplamente irônica, pois não morreu de tuberculose, mas de uma hemorragia gástrica, e muito além dos 15 anos de vida prescritos pelos médicos quando diagnosticaram a doença... (A partir de BOSI, 2000; CANDIDO, 1997, v. 1; CEREJA; KOSHIYAMA in BOSI, 1996; GONZAGA, 1998; MAGALHÃES, 2000; JUNQUEIRA, 1993; MIGUEL, 1988)

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