No disco Ninguém, de 1995, Arnaldo Antunes musicou “Budismo Moderno”, poema de AUGUSTO DOS ANJOS, o “poeta de um só livro, Eu”, obra que ultrapassou as 50 edições graças “ao caráter original, paradoxal, até mesmo chocante, da sua linguagem, tecida de vocábulos esdrúxulos e animada de uma virulência pessimista sem igual em nossas letras”, sentencia Bosi (2000, p. 287-288), embora Junqueira (1993, p. 307) observe “indeléveis marcas da dicção” do poeta em Denise Emmer (A equação da noite, 1986) e note-se na canção “Saia de Mim”, dos Titãs (de 1991, ainda com Antunes) o emprego de termos “’baixos’ e antipoéticos” (CEREJA; MAGALHÃES, 2000). Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos nasceu na Paraíba em 20 de abril de 1884 e, atacado pela pneumonia, faleceu em Minas Gerais, em 12 de novembro de 1914. Desde cedo, já era “de magreza esquálida, - faces reentrantes, olhos fundos, olheiras violáceas e testa descalvada” (SOARES in BOSI, 1966) Foi fundo na experiência existencial: sua poesia carrega “uma angústia funda, letal, ante a fatalidade que arrasta toda a carne para a decomposição”, o que o liga, guardadas as proporções, ao poeta francês Charles Baudelaire, e diretamente, ao idealismo-pessimista do filósofo Arthur Schopenhauer (de O mundo como vontade e representação), e onde se fundem “visão cósmica e desespero radical” (BOSI, 2000, p. 289). A primeira edição de Eu e outras poesias foi publicada em 1912, financiada pelo irmão Odilon; a segunda, pelo Governo da Paraíba em 1920; e de lá para cá foram várias outras e intermináveis os estudos que procuram avaliar e classificar a atualíssima obra do “espião do Apocalipse”, segundo José Paulo Paes (in ANJOS, 2001). Paes observa que a poesia de Augusto está impregnada do lírico e do subjetivo da atmosfera cientificista que propunha-se a substituir o romantismo, “àquela altura em adiantado processo de dissolução” (in ANJOS, 2001, p. 12). Principiante nos estudos da filosofia na Faculdade de Direito de Recife, Augusto apaixonou-se pela generalização da ciência para compor seus versos, recorrendo em diversos poemas ao pensamento do biólogo Ernst Haeckel (1834-1919) e do filósofo Herbert Spencer (1820-1903), dois dos “profetas” que viam a ciência como um “novo Deus, a nova Providência”, prossegue Paes. Para o crítico literário, Augusto “possibilitou a cultura científica chegar a uma metafísica lírica” e criou vários paradoxos, entre eles, “o de uma visão de mundo que privilegia a ciência, locus por excelência da racionalidade, valer-se amiúde da irracionalidade e da intuição, quando não da alucinação” (in ANJOS, p. 21).

A exemplo do famoso epitáfio mallarmaico (“Qual em si mesmo enfim a eternidade o muda”), Augusto obteve com Eu a afirmação “do seu si-mesmo”: deixou sua contribuição para a eternidade, em uma obra autoral que nos permite perceber que o “estraçalhado e desamparado amor da vida, cuja visão lhe pareceu dever ser unitária e conspectiva, o levou a anteviver a Morte como tão seu necessário complemento, que seria impossível dissociar uma da outra”, conforme Antônio Houaiss conclui em texto incluído na edição de 1982 de Eu & outras poesias (p. 27). Para Mário Faustino (2003, p. 294), Augusto dos Anjos foi um “caso à parte”, no que concorda Bosi: “Figura em tudo original e que merece estudo à parte” (1996, p. 21). (A partir de ANJOS, 1982; BOSI, 1966, 2000; HOUAISS in ANJOS, 1982; CEREJA; MAGALHÃES, 2000; FAUSTINO, 2003; GONZAGA, 1998; JUNQUEIRA, 1993; PAES in ANJOS, 2001; PAES, 1997; SOARES in BOSI, 1966)

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