No dia 30 de abril de 1942, o poeta Mário de Andrade (1893-1945), integrante do núcleo do modernismo brasileiro, proferiu uma conferência na biblioteca do Ministério das Relações Exteriores, no Rio de Janeiro. Ela havia sido lida em janeiro, na Casa do Estudante do Brasil1, mas sem a repercussão que ganhou na leitura feita na biblioteca. O jornal O Estado de S.Paulo2 antecipou o evento: em fevereiro daquele ano publicou o artigo, e o republicou em 2002 no 80º aniversário da Semana de Arte Moderna. O texto foi escrito a pedido do jornalista, editor e escritor Edgard Cavalheiro (1911-1958), autor de Testamento de uma geração (1944), que recolhia depoimentos para marcar os 20 anos da Semana de Arte Moderna, e é considerado uma espécie de “primeira ‘história’ do modernismo”, mas sem “o caráter explicativo e didático” (TELES, 2012, p. 445) visto em Prefácio Interessantíssimo (1921) e A escrava que não é Isaura (1924-1925). O período da conferência corresponde à ditadura de Getúlio Vargas, momento em que “a trajetória dos vanguardistas passou pelo engajamento nos programas culturais do governo” e “o modernismo manteve a linguagem do poder, proclamou sua vocação para elite dirigente e encetou uma eficientíssima propaganda”, analisa Camargos (2002, p. 151). Ao afirmar que o passado “o assombra”, Mário reconhece que o fato de não estar “de corpo presente [...] desencaminha o choque da estupidez”, sensação gerada com a lembrança da “coragem para dizer versos ante uma assuada tão singular” (Cap. 1, ESP3). Ele recorda que, entre a exposição de Anita Malfatti (1889-1964) em 1917, em que ela apresentava telas com temática nacional e outras de impacto estético, e a Semana propriamente dita, em 1922, os envolvidos foram, nessa “meia dúzia de anos”, “realmente puros e livres, desinteressados, vivendo uma união iluminada e sentimental das mais sublimes”. Além do caráter documental, a conferência é uma espécie de dar nome aos bois [grifo meu]: “A aristocracia tradicional nos deu mão forte, pondo em evidência mais essa geminação de destino – também ela já então autofagicamente destruidora, por não ter mais uma significação verdadeiramente funcional. Quanto à aristocracia do dinheiro, sempre nos olhou com confiança e nos detestava”, escreve (Cap. 2, ESP4); e de esclarecer, em poucas palavras, o que pretendeu o movimento modernista: “O que o caracterizou essencialmente, a meu ver, foi a fusão de três princípios fundamentais: 1.º – o direito à pesquisa estética; 2.º – a atualização da inteligência artística brasileira; 3.º – a estabilização de uma consciência criadora nacional” (Cap. 3, ESP5). Reconhece, ao final, o papel dos artistas envolvidos com a iniciativa diante das potências econômicas e culturais da Europa: “Essa normalização de um espírito de pesquisa estética, anti-acadêmico porém não mais revoltado e destruidor, é a maior manifestação de independência e de estabilidade nacional que já conquistou a Intelligensia brasileira” (Cap. 3, ESP6). O poeta conclui, ao rever a atuação dos artistas envolvidos com o movimento, “que os modernistas da S.A.M. não devemos servir de exemplo a ninguém. Mas podemos servir de lição” (in TELES, 2012, p. 447). Quanto a isto, reserva-se o comentário de Bosi (2000, p. 354), ao dizer que “poucos viram com tanta lucidez a grandeza e os limites do próprio tempo como o autor”, ao referir-se à Mário de Andrade. (A partir de BOSI, 2000; CAMARGOS, 2002; CHIVERS, 2017; TELES, 20121; http://www.vermelho.org.br/noticia/175420-112, 3, 4, 5, 6)

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog