A poeta LUPE COTRIM nasceu em 16 de março de 1933 em São Paulo. Foi também professora e tradutora. Destacou-se na poesia a partir da década de 1960, depois de publicar Monólogo do Afeto em 1956, Raiz Comum, em 1959, Entre a flor e o tempo (1961), Cânticos da Terra (1962-63), O poeta e o mundo (1964) e Inventos (1967).



Poemas ao Outro, de 1970, lançado postumamente, recebeu os prêmios Jabuti, Governador do Estado e o de Poesia da Fundação Cultural de Brasília. A coletânea Obra Consentida foi publicada em 1973, reunindo poemas de seus primeiros cinco livros, seleção da própria Lupe; a antologia Encontro foi apresentada ao público em 1984, organizada pelo filho, Marco Gianotti, ambas pela Brasiliense.



Em 2012 foi editada a pesquisa de Leila Gouvêa, Estrela Breve – Lupe Cotrim: uma biografia literária, em que a pesquisadora resgata a trajetória poética da professora da Escola de Comunicação e Artes da USP, que tem, no Centro Acadêmico, o pseudônimo da poeta.
Lupe Cotrim, cujo nome completo é Maria José Cotrim Garaude Gianotti, morreu em 18 de fevereiro de 1970, vitimada por uma metástase antes de completar 37 anos.



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SAUDADE

a Guilherme de Almeida

A saúde é o limite da presença,
estar em nós daquilo que é distante,
desejo de tocar que apenas pensa,
contorno doloroso do que era antes.
Saudade é um ser sozinho descontente
um amor contraído, não rendido,
um passado insistindo em ser presente
e a mágoa de perder no pertencido.
Saudade, irreversível tempo, espaço
de ausência, sensação em nós premente
de ser amor somente leve traço
num sonho vão de posse permanente.
Saudade, desterrada raiz, vida
que se prolonga e sabe que é perdida.

(em Encontro, 1984)

* * * * *

HINO DOS COMEDIDOS

Não me agradam esse homens
bem fracionados no tempo,
cedendo-se amavelmente
em todas as ocasiões
e mais também não me agradam
os partidários tão vários,
de toda moderação.
Vou passando bem distante
desses homens comedidos
desses homens moderados.

Antônio guarda seu vinho
muito mais de vinte anos
para bebê-lo mais velho
Clara não estréia o vestido
quer outra oportunidade.

Os noivos em castidade
bem além de doze anos
ainda apregoam o amor.

Os homens de ferro hoje
só sabem anunciar
uma mensagem de espera.
Aguarda a felicidade,
Vê o momento oportuno,
Não penses nunca em amor
Nem sejas tão ansioso,
resiste à melhor viagem
desconhece a emoção.

O hino dos comedidos
de todos bem fracionados
a humanidade invadiu.
Desejam oportuníssimos
Sempre expelindo relógios
aguardam os melhores instantes
subdivididos em prazos
doutrinam sincronizados
Sofrendo convencionais
Apenas grandes tristezas
Creditadas nos jornais.

Eu? Eu já sou diferente.
Não sei viver minha vida
entoada nesse hino
Esterelizada em prazos
De regras universais.
Não me situo na espera
E por profissão de fé
Acredito em circunstância
Acredito em vida intensa,
Acredito que se sofra,
mesmo muito, por amor.

Adeus homens moderados,
Adeus que sou diferente.
Compreendo a mulher que rasga
as vestes em grande dor
e sinto imensa ternura
pelo homem desesperado.

(em Encontro, 1984)


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