Autor de ABC do Nordeste Flagelado, Eu e o Sertão e O Poeta da Roça, entre outros tantos cantos em que denuncia que o problema do sertão não é a seca, mas a “cerca”, PATATIVA DO ASSARÉ nasceu Antônio Gonçalves da Silva, no Ceará, em 5 de março de 1909. Aos 16 anos, comprou a primeira viola e, aos 20, viajou para o Pará; em Belém, conhece o folclorista José Carvalho de Brito, que publica alguns trabalhos do poeta e repentista nas páginas do jornal Correio do Ceará.
Já “batizado” como Patativa,
inclui o topônimo Assaré em seu nome. Ao lado de João Alexandre, compõe a maior
parte de sua obra. Publica Inspiração
Nordestina (1956) e, em 1965, o cantor Luiz Gonzaga grava A triste partida. Outros cantores
percebem a riqueza da poesia de Patativa – Falcão, Daúde, Pena Branca e
Xavantinho, Milton Nascimento, Sérgio Reis, Rolando Boldrin e Renato Teixeira,
entre eles.
Em 1978, publica Cante lá que eu canto cá e passa a ser
reconhecido entre os intelectuais ao ser incluído na programação cultural do
encontro da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em 1979,
mesmo ano em que sai o primeiro disco, Poemas
e Canções, produzido por Fagner, que, anos antes, havia gravado o poema O Vaquêro, sem creditar a autoria do
poeta (depois, tornaram-se amigos e parceiros).
Patativa do Assaré é “o
poeta popular que melhor representa as mazelas, os desejos e costumes
sertanejos” (enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa3743/patativa-do-assare); condenava
os militares e, durante o regime militar, foi
perseguido e quase preso ao publicar o poema Caboclo Roceiro, que ficou excluído da segunda edição do livro Inspiração... Esteve
presente na campanha das Diretas-Já (1984) e, combativo, publicou o poema
“Inleição Direta 84”.
Retratista do árido universo
da caatinga nordestina, sua obra foi registrada em folhetos de cordel, livros e
discos. Foi reconhecido pela Universidade Regional do Cariri (Urca) com o
título de doutor honoris causa. Traduzido em diversos idiomas, seus versos
tornaram-se temas de estudo na Sorbonne (França), no fim dos anos 70, na
cadeira de Literatura Popular Universal, do professor Raymond Cantel
(1914-1986), pesquisador da literatura popular brasileira. Entre seus livros,
encontramos Ispinho e Fulô (1988) e Aqui tem coisa (1994).
Cego desde o final dos anos 90 – havia perdido um
olho aos quatro anos –, e quase sem audição, o principal poeta popular brasileiro
morreu aos 93 anos, em 8 de julho de 2002. Quem visita Fortaleza encontra uma
estátua em sua homenagem, prestada no Centro Cultural Dragão do Mar.
* * * * *
Inleição Direta 84 (trecho)
Bom
camponês e operaro
A vida
tá de amargá
O nosso
estado precaro
Não há
quem possa agüenta
Neste
espaço dos vinte ano
Que a
gente entrou pelo cano
A confusão
tá compreta
Mode
a coisa miorá
Nós vamo
bradá e gritá
Pela
inleição direta.
* * * * *
A
triste partida
Setembro
passou, com oitubro e novembro
Já
tamo em dezembro.
Meu
Deus, que é de nós?
Assim
fala o pobre do seco Nordeste,
Com
medo da peste,
Da
fome feroz.
A
treze do mês ele fez a experiença,
Perdeu
sua crença
Nas
pedra de sá.
Mas
nôta experiença com gosto se agarra,
Pensando
na barra
Do
alegre Natá.
Rompeu-se
o Natá, porém barra não veio,
O
só, bem vermeio,
Nasceu
munto além.
Na
copa da mata, buzina a cigarra,
Ninguém
vê a barra,
Pois
barra não tem.
Sem
chuva na terra descamba janêro,
Depois,
feverêro,
E o
mêrmo verão
Entonce
o rocêro, pensando consigo,
Diz:
isso é castigo!
Não
chove mais não!
Apela
pra maço, que é o mês preferido
Do
Santo querido,
Senhô
São José.
Mas
nada de chuva! ta tudo sem jeito,
Lhe
foge do peito
O
resto da fé.
Agora
pensando segui ôtra tria,
Chamando
a famia
Começa
a dizê:
Eu
vendo mau burro, meu jegue e o cavalo,
Nós
vamo a São Palo
Vivê
ou morrê.
Nòs
vamo a São Palo, que a coisa tá feia;
Por
terras aleia
Nós
vamo vagá.
Se o
nosso destino não fô tão mesquinho,
Pro
mêrmo cantinho
Nós
torna a vortá.
E
vende o seu burro, o jumento e o cavalo,
Inté
mêrmo o galo
Vendêro
também,
Pois
logo aparece feliz fazendêro,
Por
pôco dinhêro
Lhe
compra o que tem.
Em
riba do carro se junta a famia;
Chegou
o triste dia,
Já
vai viajá.
A
seca terrive, que tudo devora,
Lhe
bota pra fora
Da
terra natá.
O
carro já corre no topo da serra.
Oiando
pra terra,
Seu
berço, seu lá,
Aquele
nortista, partido de pena,
De
longe inda acena:
Adeus,
Ceará!
No
dia seguinte, já tudo enfadado,
E o
carro embalado,
Veloz
a corrê,
Tão
triste, o coitado, falando saudoso,
Um
fio choroso
Escrama,
a dizê:
– De
pena e sodade, papai, sei que morro!
Meu
pobre cachorro,
Quem
dá de comê?
Já
ôto pergunta: – Mãezinha, e meu gato?
Com
fome, sem trato,
Mimi
vai morrê!
E a
linda pequena, tremendo de medo:
– Mamãe,
meus brinquedo!
Meu
pé fulô!
Meu
pé de rosêra, coitado, ele seca!
E a
minha boneca
Também
lá ficou.
E
assim vão dexando, com choro e gemido,
Do
berço querido
O
céu lindo e azu.
Os
pai, pesaroso, nos fio pensando,
E o
carro rodando
Na
estrada do Su.
Chegaro
em São Paulo – sem cobre, quebrado.
O
pobre, acanhado,
Percura
um patrão.
Só
vê cara estranha, da mais feia gente,
Tudo
é diferante
Do
caro torrão.
Trabaia
dois ano, três ano e mais ano,
E
sempre no prano
De
um dia inda vim.
Mas
nunca ele pode, só veve devendo,
E
assim vai sofrendo
Tormento
sem fim.
Se
arguma notícia das banda do Norte
Tem
ele por sorte
O
gosto de uvi,
Lhe
bate no peito sodade de móio,
E as
água dos óio
Começa
a caí.
Do
mundo afastado, sofrendo desprezo,
Ali
veve preso,
Devendo
ao patrão.
O
tempo rolando, vai dia vem dia,
E
aquela famia
Não
vorta mais não!
Distante
da terra tão seca mas boa,
Exposto
à garoa,
À
lama e ao paú,
Faz
pena o nortista, tão forte, tão bravo,
Vivê
como escravo
Nas terra do su.
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