O poeta OLEGÁRIO MARIANO, batizado Olegário Mariano Carneiro da Cunha, também atuou como político e diplomata. Nasceu no Recife (PE), em 24 de março de 1889, mas, logo depois de concluir o ensino médio mudou-se para o Rio de Janeiro.
Na capital carioca, ainda capital do país, conviveu com Olavo Bilac (1865-1918), Guimarães Passos (1867-1909), Emílio de Meneses (1866-1918), Coelho Neto (1864-1934) e Martins Fontes (1884-1937), entre outros. O primeiro livro que publicou foi em 1911, Angelus – identificado com o simbolismo, cheio de cismas e sofrimentos. Cantigas de encurtar caminhos (1949) é considerada sua principal obra.
Deixou 18 livros de poesia, reunidos em Toda uma vida de poesia, em dois volumes, editado em 1957, além de um livro de memórias, A vida que já vivi (1945), outros de crônicas, publicadas nas revistas Caretas e Paratodos (com o pseudônimo João da Avenida) e um voltado ao público infantil (Tangará conta histórias, 1953). Foi eleito Príncipe dos Poetas Brasileiros em 1938, num concurso realizado pela revista Fon-Fon, e ficou conhecido como “o poeta das cigarras”, um de seus temas prediletos.
Representou o Brasil em missão diplomática na embaixada da Bolívia (1918) e foi embaixador em Portugal entre 1953 e 1954, delegado da Academia Brasileira de Letra na Conferência Interacadêmica de Lisboa para o Acordo Ortográfico de 1945.
Olegário Mariano, primo de Manuel Bandeira (1886-1968), faleceu em 28 de novembro de 1958.

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O MEU RETRATO

Sou magro, sou comprido, sou bizarro,
Tendo muito de orgulho e de altivez.
Trago a pender dos lábios um cigarro,
Misto de fumo turco e fumo inglês.

Tenho a cara raspada e cor de barro.
Sou talvez meio excêntrico, talvez.
De quando em quando da memória varro
A saudade de alguém que assim me fez.

Amo os cães, amo os pássaros e as flores.
Cultivo a tradição da minha raça
Golpeada de aventuras e de amores.

E assim vivo, desatinado e a esmo.
As poucas sensações da vida escassa
São sensações que nascem de mim mesmo.

(de Evangelho da sombra e do silêncio, 1912)

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A ÚLTIMA CIGARRA

Todas cantaram para mim. A ouvi-las,
Purifiquei meu sonho adolescente,
Quando a vida corria doidamente
Como um regato de águas intranquilas.

Diante da luz do sol que eu tinha em frente,
Escancarei os braços e as pupilas.
Cigarras que eu amei! Para possuí-las,
Sofri na vida como pouca gente.

E veio o outono... Por que veio o outono ?
Prata nos meus cabelos... Abandono...
Deserta a estrada... Quanta folha morta!

Mas, no esplendor do derradeiro poente,
Uma nova cigarra, diferente;
Como um raio de sol, bateu-me à porta.

 (Últimas cigarras, 1920)

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RENÚNCIA

Renunciar. Todo o bem que a vida trouxe,
toda a expressão do humano sofrimento.
A gente esquece assim como se fosse
um voo de andorinha em céu nevoento.

Anoiteceu de súbito. Acabou-se
tudo... A miragem do deslumbramento...
Se a vida que rolou no esquecimento
era doce, a saudade inda é mais doce.

Sofre de ânimo forte, alma intranquila!
Resume na lembrança de um momento
teu amor. Olha a noite: ele cintila.

Que o grande amor, quando a renúncia o invade
fica mais puro porque é pensamento,
fica muito maior porque é saudade.

(Últimas cigarras, 1920)


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