A produção cultural de SIMÕES LOPES NETO, o patriarca das letras gaúchas, teve início em
1894 e abrange diversos gêneros – entre a poesia, o ensaio, o teatro e a prosa
em ficção –, quase todos voltados para desvendar/consolidar um mito: o do
gaúcho.
O escritor, nascido em 9 de março de 1865, em
Pelotas, destacou-se com a prosa regionalista, ainda antes do Modernismo. Em
vida, publicou dois livros: Contos
Gauchescos e Lendas do Sul
(depois reunidos em uma só edição pela Editora Globo, nos anos 50), com o decisivo apoio do editor Henrique
Bertasso (1906-1977) e do
escritor Erico Verissimo (1905-1975).
Em Cancioneiro
Guasca (originalmente publicado em 1954), encontramos poemetos, quadras,
trovas e poesias históricas, “um inesgotável repositório do dizer poético
popular gaúcho” (SULINA, 1999), que vale a pena ser lido.
O pesquisador e etnógrafo, sensível às coisas
do gaúcho, morreu em 14 de junho de 1916, em
Pelotas (RS), cidade que o viu nascer.
* * * * *
GUMERCINDO MORREU
Na
entrada da primavera
Nem
uma só flor nasceu,
A
brisa se foi, passando...
– O
Gumercindo morreu... –
O
sol cobriu-se de luto,
Toda
a terra estremeceu
E o
figurão das estrelas...
– O
Gumercindo morreu... –
Curvai
a fronte, guerreiros,
Tirai
da fronte, o chapéu
Cobri
de crepe as divisas
– O
Gumercindo morreu... –
O
mar, medonho, rugia
Com
furioso escarcéu
E as
ondas bramindo dizem:
– O
Gumercindo morreu... –
Findou-se
o vulto eminente,
O
tarumã já perdeu,
Os
federais vestem luto
– O
Gumercindo morreu... –
* * * * *
O BOI BARROSO
Meu
boi barroso,
Que
eu já contava perdido,
Deixando
o rastro na areia
Foi
logo reconhecido.
Montei
no cavalo escuro
E
trabalhei logo de espora
E gritei
– aperta, gente,
Que
o meu boi se vai embora!
No
cruzar uma picada,
Meu
cavalo relinchou,
Dei
de rédea p’ra esquerda,
E o
meu boi me atropelou!
Nos
tentos levava um laço
Com
vinte e cinco rodilhas,
P’ra
laçar o boi barroso
Lá
no alto das coxilhas!
Mas
no mato carrasquento
Onde
o boi ‘stava embretado,
Não
quis usar o meu laço,
P’ra
não vê-lo retalhado.
E
mandei fazer o laço
Da
casca do jacaré,
P’ra
laçar meu boi barroso
No
redomão pangaré.
Eu
mandei fazer um laço
Do
couro da jacutinga,
P’ra
laçar meu boi barroso
Lá
no paço da restinga.
E
mandei fazer um laço
Do
couro da capivara,
P’ra
laçar meu boi barroso:
E
lacei de meia cara.
Pois
era um laço de sorte,
Que
quebrou do boi a balda
Quando
fui cerrar o laço,
Só
peguei de meia espalda!
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