MANSUETO BERNARDI nasceu em 20 de março de 1888, em Asola (Itália). Filho de
imigrantes agricultores, aos três meses chegou ao Brasil, tendo a família se instalado em Lajeadinho, interior
de Veranópolis (RS). Foi poeta, tradutor, historiador e ensaísta; orador
e político. De acordo com o historiador Walter Spalding (1901-1976), foi um “grande
amante da terra rio-grandense, que ele adotou como sua” (1969).
Bernardi editou apenas uma obra literária, Terra Convalescente (1918), reeditado em
1965 pela Editora Globo com o subtítulo “Itinerário de uma alma” – em 1980, a
EST/Sulina editou Obras Completas de
Mansueto Bernardi, organizada por Itálico Marcon –, mas na primeira metade
do século XX foi um nome forte na cena cultural e política do Rio Grande do
Sul.
Funcionário público (diretor da Casa da Moeda em 1931, entre
outras ocupações), nomeado por Borges de Medeiros (1863-1961) prefeito de
São Leopoldo, membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande
do Sul, e, na primeira década do século XX, diretor da Livraria O Globo, em
Porto Alegre, onde mostrou profundo conhecimento de “Dante e Petrarca, Santo
Agostinho e São Francisco”, segundo o escritor Antonio Holfeldt. Ao lado de
João Pinto da Silva (1899-1950), criou o Almanaque
do Globo (1917), idealizou e dirigiu a Revista
do Globo (1929).
Participou dos primeiros passos do Correio do Povo, ao
lado de Caldas Júnior (1868-1913); foi redator da revista Kodak, a
primeira revista “ilustrada” fundada em Porto Alegre (1912). Em 1925,
apresentou o poeta Guilherme de Almeida (1890-1969) aos modernistas gaúchos,
contribuindo para a difusão do movimento. Ainda naquele ano, integrou o grupo
que organizou o documentário, em italiano, Cinquantenario
della colonizzazione italiana nel Rio Grande del Sud, com Celeste
Gobbato(1890-1958) e o futuro bispo José Barea (1893-1951); em 1950, no álbum
comemorativo do 75º aniversário da colonização italiana, publicou três poemas –
“A um colono”, “Cemitério dos Imigrantes” e
“Caminhos Coloniais”.
Ao se aposentar, voltou a morar em Veranópolis (RS), onde
residira por alguns anos e onde foi professor. A casa que construiu em 1946 e
onde residiu hoje é o Museu Vila Bernardi (com biblioteca e acervo
fotográfico); o concurso literário municipal tem seu nome, bem como a
Biblioteca Pública. Faleceu em 9 de
setembro de 1966, praticamente sem enxergar devido a uma enfermidade contraída
nos últimos anos de sua vida.
* * * * *
TERRA
CONVALESCENTE
I
Mas
eis aos chilros, nos beirais das casas,
de
volta dos países mais remotos,
andorinhas
gentis ruflam as asas...
Dilui-se
a névoa. Eis os primeiros brotos.
Já
sôbre os tíbios campos recendentes
os
soltos animais andam aos pulos.
E
as larvas estremecem nos casulos.
E
as abelhas não param de contentes.
Inéditas
canções rompem em côro.
(Santo
de Assis, as bodas principiam!)
E
o sol aponta cada vez mais louro.
Os
horizontes se desanuviam.
Em
tudo, nas aragens que não mentem,
na
luz que mais radiosa reverbera,
ó
Sempre renascente, ó Primavera,
minhas
narinas ávidas te sentem!
O
teu hálito excita como um vinho.
A
púrpura solar todo o orbe touca.
Com
paina e musgo a ave entretece o ninho.
O
beijo freme à flor de cada bôca.
Crescem
os tenros gomos com presteza,
que
as aranhas enfeitam de recamos.
Crescem.
E em breve toda a Natureza
é
um domingo católico de ramos2.
E
vêm de toda parte, e enchem os ares,
como
um sôpro novel de juventude,
frescos
sons de folhagens, preamares
de
aromas de resina, e de saúde...
E
inumeráveis, tênues, verdes – sonhos
ainda
imprecisos de um arbóreo artista –
na
ponta do estípites risonhos
pequeninos
botões surgem à vista.
A
impetuosa caudal mais não transborda.
Um
cheiro de húmus todo o ambiente incensa.
E
em seu leito de enfêrma a Terra acorda
para
o milagre da convalescença.
II
Abre
em parra a vide. A ave desova.
Já,
Terra, o fruto da futura messe
impa
em teu seio fértil e profundo.
E
há um burburinho em tudo, uma alma nova,
um
circular de seiva, que parece
o
tumulto da gênese de um mundo...
III
Da
gleba altriz nos úberes selvagem
sugam
a vida as sôfregas raízes.
Os
caules vão perdendo as cicatrizes.
Um
milagre de sol doira as paisagens.
Tudo
é júbilo, ardor, surto, promessa.
Num
sussurro, os insetos vêm e vão.
A
laranjeira a florescer começa...
A
leiva pulsa como um coração.
Os
montes se perfilam mais divinos.
E
é também quando das esferas desce
uma
alegria tal, que até parece
que
a alma das aves se desmancha em hinos.
Os
perfumes e os sons mesclam-se no ar.
Sente-se
o poeta e em êxtases se perde.
E
as estrêlas não cessam de brotar...
O
prado é como um céu que fôsse verde.
IV
Enquanto
o fruto da futura messe
como
Lázaro se ergue e sai da cova,
favorecido
com uma alma nova
pela
graça do sol, que tudo aquece,
enquanto
a música da passarada
repercute
festiva nos espaços
e
as árvores estendem sobre a estrada
a
trêmula frescura dos seus braços
em
seu leito de relva redolente,
ritmando,
mãe fecunda e enternecida,
as
próprias pulsações com as da Vida,
revitaliza-se
a Convalescente.
E
o secreto langor que ainda revela
torna-a
mais doce, mais femínea e bela
em
sua beatitude puerperal...
Louvada
sejas tu, por todo o mal
que
houveste de sofrer, sempre tão boa,
em
tua prodigiosa enfermidade,
ó
Terra, e pelo amor que te coroa
como
um diadema de felicidade!
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