O poeta baiano PEDRO KILKERRY nasceu em 25 de março de 1885. Publicou na revista do grupo literário simbolista Nova Cruzada e também em Os Anais, de Salvador, quando se uniu ao grupo, a partir de 1906. Sua poesia foi revelada por Jackson de Figueiredo no livro Humilhados e Luminosos (1929).
Editou, no Jornal Moderno, as crônicas Quotidianas – Kodak e alguns poemas em prosa. Passou a colaborar com poemas e artigos em jornais e revistas da cidade e só próximo ao fim da vida experimentou o verso livre. Em 1952, alguns trabalhos publicados por Andrade Muricy no Panorama do Movimento Simbolista (1952) e, em 1970, Augusto de Campos reuniu parte da obra do baiano no livro ReVisão de Kilkerry – depois ampliada na década de 1980. Hoje, é considerado o mais moderno poeta simbolista brasileiro, embora ignorado em seu tempo
Kilkerry, que nasceu Pedro Militão dos Santos Kuilkuery, morreu no dia em que nasceu, no ano de 1917, aos 32 anos, devido a uma traqueostomia de emergência (era portador de tuberculose pulmonar). De acordo com Augusto, a troca do nome foi escolha do baiano, que também foi jornalista e advogado.

* * * * *

É O SILÊNCIO...

É o silêncio, é o cigarro e a vela acesa.
Olha-me a estante em cada livro que olha.
E a luz nalgum volume sobre a mesa...
Mas o sangue da luz em cada folha.

Não sei se é mesmo a minha mão que molha
A pena, ou mesmo o instinto que a tem presa.
Penso um presente, num passado.  E enfolha
A natureza tua natureza.
Mas é um bulir das cousas... Comovido
Pego da pena, iludo-me que traço
A ilusão de um sentido e outro sentido.
Tão longe vai!
Tão longe se aveluda esse teu passo,
Asa que o ouvido anima...
E a câmara muda.  E a sala muda, muda...
Àfonamente rufa.  A asa da rima
Paira-me no ar.  Quedo-me como um Buda
Novo, um fantasma ao som que se aproxima.
Cresce-me a estante como quem sacuda
Um pesadelo de papéis acima...

[...]

E abro a janela. Ainda a lua esfia
últimas notas trêmulas... O dia
Tarde florescerá pela montanha.

E ó minha amada, o sentimento é cego...
Vês? Colaboram na saudade a aranha,
Patas de um gato e as asas de um morcego.

* * * * *

O MURO

Movendo os pés doirados, lentamente,
Horas brancas lá vão, de amor e rosas
As impalpáveis formas, no ar, cheirosas...
Sombras, sombras que são da alma doente!

E eu, magro, espio... e um muro, magro, em frente
Abrindo à tarde as órbitas musgosas
– Vazias? Menos do que misteriosas –
Pestaneja, estremece. . . O muro sente!

E que cheiro que sai dos nervos dele,
Embora o caio roído, cor de brasa,
E lhe doa talvez aquela pele!

Mas um prazer ao sofrimento casa...
Pois o ramo em que o vento a dor lhe impele
É onde a volúpia está de urna asa e outra asa...

* * * * *

O VERME E A ESTRELA

Agora sabes que sou verme.
Agora, sei da tua luz.
Se não notei minha epiderme...
É, nunca estrela eu te supus
Mas, se cantar pudesse um verme,
Eu cantaria a tua luz!

E eras assim... Por que não deste
Um raio, brando, ao teu viver?
Não te lembrava. Azul-celeste
O céu, talvez, não pôde ser...
Mas, ora! enfim, por que não deste
Somente um raio ao teu viver?

Olho, examino-me a epiderme,
Olho e não vejo a tua luz!
Vamos que sou, talvez, um verme...
Estrela nunca eu te supus!
Olho, examino-me a epiderme...
Ceguei! ceguei da tua luz?


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