LAÍS CORRÊA DE ARAÚJO ÁVILA é poeta mineira, nascida em 3 de março de 1927. Publicou o primeiro livro em 1951, Caderno de poesia, e, em 1955, o segundo, O signo e outros poemas (relançado em 1995), um ano depois de participar do Congresso Internacional de Escritores, em São Paulo, onde conheceu o poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto (1920-1999); em 1961, no Segundo Congresso Brasileiro de Crítica e História Literária, em Belo Horizonte, travaria contato com o poeta paulista Haroldo de Campos (1929-2003) – em 1963 participaria da Semana Nacional de Poesia de Vanguarda, na capital mineira.
Publicou, ainda, Cantochão (1967), Decurso do prazo (1988), Pé de página (1995), Clips, com ilustrações de Niúra Bellavinha (2000), e, em 2004, postumamente, Inventário: 1951-2002, que reúne as edições originais, mais o então inédito Geriátrico, de 2002. Para o público infanto-juvenil, escreveu O grande blá-blá-blá (1974), Maria e Companhia (1983), Que Quintal! (1987), O relógio mandão (1989) e A loja do Zeconzé (2000).
Em 1992 foi publicado o livro Caderno de Traduções, com textos traduzidos do francês, do inglês e do espanhol, destacando a poesia e a prosa de André Breton, Paul Éluard, T.S. Eliot, Robert Frost, Robert Desnos, Enrique Anderson Imbert e Javier Villafãne, entre outros. Ainda traduziu Albert Camus, Federico Garcia Lorca, Jean Cocteau, Ezra Pound e Júlio Cortázar.
Como jornalista, criou a coluna “Roda Gigante”, n’O Estado de Minas, colaborou com O Diário de Minas e organizou e editou suplementos literários em Belo Horizonte; em São Paulo, escreve para O Estado de S. Paulo, e, no Rio de Janeiro, para a revista O Cruzeiro, além de participar de antologias, vídeos, programas de rádio e televisão.
Ensaísta, publicou artigos de crítica literária em diversas antologias e um livro sobre o poeta Murilo Mendes, em 1997, com quem mantinha correspondência.
Foi casada com o poeta e ensaísta literário Affonso Ávila (1928-2012); hoje, a biblioteca particular do casal está integrada à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), doada pelo filho, o poeta Carlos. Laís morreu em 19 de dezembro de 2006.

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Ato de contrição

Não me arrependo de meus erros:
nada mais que sofrimento e vida.
Não me arrependo de meus beijos:
deixaram um pouco de mim
em muitas bocas.
Não me arrependo de meus pensamentos:
eram belos como mulheres nuas.
Perdoai, Senhor, se alguma vez
não fui eu mesma.

(De Caderno de poesia)

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Auto-retrato

O que eu era fui
fluída fugidia fumaça
fui e era
não ao perfeito ser

Vislumbro o que fui
ou só vislumbre o outro é
ostensiva fragmentação
de bem moldada forma

no barro adâmico
de sonho e sono fui
derrapante à erosão
era fui ser não sei

a chuva corre em mim
esta que era, fui
brasa evaporada
sob as gotas do medo

* * * * *

Vocabulário

Gosto das  palavras
           infecto  e  nauseabundo
–  palavras  que  silabam
     em  rude  contraponto
     a  avaria  do  mundo.

De umas  palavras  quentes
                                   – casa, cama, mesa –
                        que  escapam  pretéritos
                        e  futuros  presentes
                        em  sua  reta  clareza.

Certas partes  do  corpo
      que  bem  que  sonorizam:
      –  púbis,  hímen,  vagina  –
      palavras  que  batizam
      a  encoberta  mina.

E gosto  de  orgasmo
      palavra  atravessada
      como  um espinho  agudo
      que  rascante  lateja
      um momento  de  pasmo.

Também gosto  de  enfarte
      – palavra  lancinante
      que quando  se  presenta
     nem  se  diz    e  parte
     a  vida  num  instante.


(De Decurso do prazo)


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