MOACYR
FÉLIX nasceu em 11 de março de 1926, no Rio de Janeiro, e
estreou na poesia com o livro Cubo de
Trevas, em 1948. Engajado nas lutas ideológicas e literárias da segunda
metade do século XX, publicou mais 12 livros e, entre 1955 e 1960 colaborou com
os jornais Correio da Manhã, Diário de Notícia, Diário Carioca e Jornal do
Brasil.
Foi um dos fundadores da Revista Civilização Brasileira, que
circulou entre 1964 e 1968, onde editou a Coleção Poesia Hoje, e da revista Paz e Terra, criada em 1966 – em ambas,
ao lado do ferrenho opositor ao regime militar Ênio Silveira (1925-1996) –,
além de outras publicações. Por esse período, foi preso pelo regime militar,
por manifestações a favor da liberdade de expressão.
Como intelectual, ajudou a
fundar o Comando dos Trabalhadores Intelectuais (CTI), que chegou a reunir mais
de 400 intelectuais de todas as áreas das artes, da literatura, da ciência e
das profissões liberais.
Estudou letras e filosofia na Sorbonne
(Paris), onde travou contato com Maurice Merleau-Ponty (1908-1961) e Gaston
Bachelard (1884-1962), e formou-se no curso de direito. Em abril de 1986, por telefone, leu um
poema seu, “Meu pai, o que é liberdade?”, para os astronautas da espaçonave
Myr, que fazia órbita da Terra em comemoração à subida do primeiro homem ao
espaço, em 1961, o soviético Yuri Gagarin (1934-1968).
Em 2000, o livro Introdução a Escombros (1999) ganhou diversos prêmios literários,
entre eles o da Biblioteca Nacional e o Jabuti, este ao lado de Thiago de Mello
e Ferreira Gullar. Ainda em 2000, recebeu o Prêmio de Poesia do Ano da Academia
Brasileira de Letras, pela antologia Singular
Poesia.
O poeta, escritor, editor e intelectual morreu
em 25 de outubro de 2005, na cidade onde nasceu.
* * * * *
MEU PAI, O QUE É
LIBERDADE?
– Meu pai, o que é a liberdade?
– É o seu rosto, meu filho,
o seu jeito de indagar
o mundo a pedir guarida
no brilho do seu olhar.
A liberdade, meu filho,
é o próprio rosto da vida
que a vida quis desvendar.
É sua irmã numa escada
iniciada há milênios
em direção ao amor,
seu corpo feito de nuvens
carne, sal, desejo, cálcio
e fundamentos de dor.
A liberdade, meu filho,
é o próprio rosto do amor.
– Meu pai, o que é a liberdade?
A mão limpa, o copo d’água
na mesa qual num altar
aberto ao homem que passa
com o vento verde do mar.
É o ato simples de amar
o amigo, o vinho, o silêncio
da mulher olhando a tarde
– laranja cortada ao meio,
tremor de barco que parte,
esto de crina sem freio.
– Meu pai, o que é a liberdade?
É um homem morto na cruz
por ele próprio plantada,
é a luz que sua morte expande
pontuda como uma espada.
É Cuauhtemoc a criar
sobre o brasileiro que o mata
uma rosa de ouro e prata
para altivez mexicana.
São quatro cavalos brancos
quatro bússolas de sangue
na praça de Vila Rica
e mais Felipe dos Santos
de pé a cuspir nos mantos
do medo que a morte indica.
É a blusa aberta do povo
bandeira branca atirada
jardim de estrelas de sangue
do céu de maio tombadas
dentro da noite goyesca.
É a guilhotina madura
cortando o espanto e o terror
sem cortar a luz e o canto
de uma lágrima de amor.
É a branca barba de Karl
a se misturar com a neve
de Londres fria e sem lã,
seu coração sobre as fábricas
qual gigantesca maçã.
É Van Gogh e sua tortura
de viver num quarto em Arles
com o sol preso em sua pintura.
É o longo verso de Whitman
fornalha descomunal
cozendo o barro da Terra
para o tempo industrial.
É Federico em Granada.
É o homem morto na cruz
por ele próprio plantada
e a luz que sua morte expande
pontuda como uma espada.
– Meu pai, o que é a liberdade?
A liberdade, meu filho,
é coisa que assusta:
visão terrível (que luta!)
da vida contra o destino
traçado de ponta a ponta
como já contada conta
pelo som dos altos sinos.
É o homem amigo da morte
Por querer demais a vida
– a vida nunca podrida.
É sonho findo em desgraça
desta alma que, combalida,
deixou suas penas de graça
na grade em que foi ferida…
a liberdade, meu filho,
é a realidade do fogo
do meu rosto quando eu ardo
na imensa noite a buscar
a luz que pede guarida
nas trevas do meu olhar.
* * * * *
POEMA QUASE EXPLICAÇÃO
Luzes
cortam mais uma vez a noite básica
e
desenham o mundo em que vivemos.
As
estátuas de mármore então brotam
dos
lábios e das mãos dos que pararam
e
verticalmente apenas olham.
E as
estrelas derramaram pedra e cal
construindo
em cada olhar muralhas
onde
fonte magra pinga sol e lua,
– e o
relógio é um deus cantando as horas
horas
de pedra e cal.
Simplificado
como uma lágrima
tu cruzaste
a ponte em meninos mortos,
e se
teus dedos – já cimento, se crisparam,
teus
olhos se encheram de relâmpagos
afiados
para os homens de olhos de pedra e cal.
Não mais
o refletido caminhar
de
teus passos na noite iluminada,
mas
o descer com os olhos a ladeira
e
deixá-los no cárcere sem portas
onde
os ratos e os anjos se devoram.
Impassível
como um tronco de árvore, onde
os
homens gravam a canivete o que calaram.
(de Antologia Poética, 1993)
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