Autor do poema Faz
escuro mas eu canto, que dá título ao livro, o poeta amazonense THIAGO DE MELLO nasceu no dia 30 de
março de 1926. Jornalista, artista gráfico, roteirista e tradutor. Sua obra foi
traduzida para mais de 30 idiomas (entre elas o inglês, o alemão, o espanhol e
o francês) e, em 1980, recebeu o título Cavalheiro das Artes e das Letras, pelo
Ministério da Cultura da França.
Já o Rio de Janeiro, cursou a Faculdade Nacional de
Medicina entre 1950 e 1956, período em que também colaborou com O Comício, veículo de oposição ao
governo de Getúlio Vargas (1882-1954), e Folha
da Manhã. Fundou a Editora Hipocampo em 1951, com o poeta Geir Campos
(1924-1999) e dirigiu o Departamento Cultural da Prefeitura Municipal da Cidade
do Rio de Janeiro em 1959.
Em 1960 foi adido cultural do Brasil na Bolívia e,
em 1963, transferiu-se para Santiago (Chile), onde conheceu o poeta Pablo
Neruda (1904-1973), de quem fez algumas traduções. Após uma breve estadia no
Rio de Janeiro, entre 1965 e 1968, onde foi perseguido pelo governo militar,
exilou-se em Santiago, e depois na Alemanha, onde trabalhou como professor na
Universidade Johann Guttenberg.
Foi no exílio, que encerrou em 1978, que
publicou Faz escuro mas eu canto (1965), A canção do amor armado
(1966), Poesia comprometida com a minha e a tua (1975) e Os Estatutos
do Homem (1964), onde o poeta chama a atenção do leitor para os
valores simples da natureza humana; divulgado pelo correio da Organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
No retorno ao Brasil, ao lado do cantor e
compositor Sérgio Ricardo (1932), participou do show Faz escuro mas eu
canto; dirigido pelo cronista e dramaturgo Flávio Rangel (1934-1988), foi apresentado em dez capitais brasileiras. Para a
televisão, fez programas culturais sobre artistas como Jorge Luis Borges
(1899-1986), Augusto dos Anjos (1884-1914) e Joan Miró (1893-1983). Teve poemas
musicados por Pixinguinha (1897-1973) e Ary Barroso (1903-1964), entre outros –
em 1986, o maestro Cláudio
Santoro (1919-1989) compôs uma peça sinfônica baseada nos poemas do livro Faz escuro mas eu canto; a peça foi
executada na abertura da Assembleia Nacional Constituinte, realizada na Praça
dos Três Poderes, em Brasília.
Traduziu A
terra devastada e os homens ocos, de T.S. Eliot (1888-1965), Salmos e A vida no amor, do poeta nicaraguense Ernesto Cardenal (1925-2020),
Debaixo dos Astros, do poeta cubano
Eliseo Diego (1920-1994), Versos do
Capitão e Presentes de um Poeta, de Pablo Neruda (entre muitos outros), assim como verteu
para o espanhol Manuel Bandeira, em 1962, e Carlos Drummond de Andrade, em
1963.
Em 2003,
publicou o livro infanto-juvenil Amazonas:
no coração encantado da floresta e, em comemoração aos seus 80 anos (2006), foi gravado o CD A criação do mundo, com poemas
produzidos nos últimos 55 anos, declamados por ele e musicados pelo irmão, o
multi-instrumentista Gaudêncio Thiago de Mello (1933-2013) Conhecido como um
intelectual engajado na luta pelos Direitos Humanos, Thiago recebeu diversos prêmios e condecorações, nacionais
e internacionais, como o Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro (2000).
* * * * *
OS
ESTATUTOS DO HOMEM (Ato Institucional Permanente)
A
Carlos Heitor Cony
Artigo I
Fica
decretado que agora vale a verdade.
agora
vale a vida,
e de
mãos dadas,
marcharemos
todos pela vida verdadeira.
Artigo
II
Fica
decretado que todos os dias da semana,
inclusive
as terças-feiras mais cinzentas,
têm
direito a converter-se em manhãs de domingo.
Artigo
III
Fica
decretado que, a partir deste instante,
haverá
girassóis em todas as janelas,
que
os girassóis terão direito
a
abrir-se dentro da sombra;
e
que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,
abertas
para o verde onde cresce a esperança.
Artigo
IV
Fica
decretado que o homem
não
precisará nunca mais
duvidar
do homem.
Que
o homem confiará no homem
como
a palmeira confia no vento,
como
o vento confia no ar,
como
o ar confia no campo azul do céu.
Parágrafo
único:
O
homem, confiará no homem
como
um menino confia em outro menino.
Artigo
V
Fica
decretado que os homens
estão
livres do jugo da mentira.
Nunca
mais será preciso usar
a
couraça do silêncio
nem
a armadura de palavras.
O
homem se sentará à mesa
com
seu olhar limpo
porque
a verdade passará a ser servida
antes
da sobremesa.
Artigo
VI
Fica
estabelecida, durante dez séculos,
a
prática sonhada pelo profeta Isaías,
e o
lobo e o cordeiro pastarão juntos
e a
comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.
Artigo
VII
Por
decreto irrevogável fica estabelecido
o
reinado permanente da justiça e da claridade,
e a
alegria será uma bandeira generosa
para
sempre desfraldada na alma do povo.
Artigo
VIII
Fica
decretado que a maior dor
sempre
foi e será sempre
não
poder dar-se amor a quem se ama
e
saber que é a água
que
dá à planta o milagre da flor.
Artigo
IX
Fica
permitido que o pão de cada dia
tenha
no homem o sinal de seu suor.
Mas
que sobretudo tenha
sempre
o quente sabor da ternura.
Artigo
X
Fica
permitido a qualquer pessoa,
qualquer
hora da vida,
uso
do traje branco.
Artigo
XI
Fica
decretado, por definição,
que
o homem é um animal que ama
e
que por isso é belo,
muito
mais belo que a estrela da manhã.
Artigo
XII
Decreta-se
que nada será obrigado
nem
proibido,
tudo
será permitido,
inclusive
brincar com os rinocerontes
e
caminhar pelas tardes
com
uma imensa begônia na lapela.
Parágrafo
único:
Só
uma coisa fica proibida:
amar
sem amor.
Artigo
XIII
Fica
decretado que o dinheiro
não
poderá nunca mais comprar
o
sol das manhãs vindouras.
do grande
baú do medo,
o
dinheiro se transformará em uma espada fraternal
para
defender o direito de cantar
e a
festa do dia que chegou.
Artigo
Final.
Fica
proibido o uso da palavra liberdade,
a
qual será suprimida dos dicionários
e do
pântano enganoso das bocas.
A
partir deste instante
a
liberdade será algo vivo e transparente
como
um fogo ou um rio,
e a
sua morada será sempre
o
coração do homem.
(em Santiago do Chile, abril de 1964)
* * * * *
Faz escuro
mas eu canto,
porque a
manhã vai chegar.
Vem ver comigo,
companheiro,
a cor do
mundo mudar.
Vale a pena
não dormir para esperar
a cor do
mundo mudar.
Já é
madrugada,
vem o sol,
quero alegria,
que é para
esquecer o que eu sofria.
Quem sofre
fica acordado
defendendo
o coração.
Vamos
juntos, multidão,
trabalhar
pela alegria,
amanhã é um
novo dia.
(de Faz
escuro mas eu canto, 1965)
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