O poeta baiano CASTRO ALVES nasceu no dia 14 de março de 1847, em pleno período da escravidão. Depois dos estudos iniciais em Salvador, mudou-se para Recife a fim de estudar na Faculdade de Direito, em 1862. Reprovado, voltou-se para a vida cultural da cidade. No ano seguinte, a tuberculose se manifestou pela primeira vez. Em 1866 conhece a atriz portuguesa Eugênia Câmara, a amante dez anos mais velha que ele, o grande amor de sua vida – mas o relacionamento durou apenas dois anos, e ela morreu três anos depois do poeta. Em férias, praticando a caça, fere o pé esquerdo e é obrigado a amputá-lo.
Seu poema mais conhecido, o épico-dramático “Navio Negreiro”, foi apresentado pela primeira vez em 1868, ainda com o nome de “Tragédia no Mar”, e faz parte do livro Os Escravos (1883, inacabado), assim como “Vozes d’África” – a escravidão persistia, mesmo com existência da Lei Eusébio de Queirós, que proibia o tráfico de escravos. Essa escrita, iniciada aos 17 anos, com ampla divulgação pelos jornais e pelos declamadores; reflete a vida do negro no Brasil e tem origem na corrente condoreira ou hugoana (por influência do escritor francês Victor Hugo), que, por aqui, assumiu feições abolicionistas e republicanas, sem esconder o lado esquecido pelos primeiros românticos: a opressão e a ignorância do povo brasileiro.
Além da poesia com cunho social (que inclui A cachoeira de Paulo Afonso), Castro Alves também revelou maestria na poesia lírica, com Espumas Flutuantes (1870), o único livro publicado em vida, em que promove um avanço no tratamento dado aos temas do amor (antes convencional e abstrato, cheio de medo e culpa) e da idealização da mulher (de “virgem pálida” para um “ser corporificado”), e para o teatro (Gonzaga e a Revolução de Minas, encenada por Eugênia, em 1867 e 1868).
O “poeta dos escravos”, fundador da poesia engajada no Brasil, que depois seria atualizada nos versos de Thiago de Melo, Carlos Drummond de Andrade, Ferreira Gullar e outros – e passou a ser conhecida como “poesia participante” ou “poesia engajada”, aquela que se põe a serviço de uma causa político-ideológica.
É patrono da cadeira número 7 da Academia Brasileira de Letras (ABL), emprestou seu nome a cidades, escolas, praças e teatros, marca de cigarros e de fósforos, foi tema de músicas, de cordel, de montagens teatrais e musicais, personagem no cinema, selo postal, medalhas, exposições, e é, ainda, tema de conferências.
Antônio Francisco de Castro Alves morreu em 6 de julho de 1871, vitimado pela tuberculose, aos 24 anos.

* * * * *


O povo ao poder

Quando nas praças s’eleva
Do povo a sublime voz…
Um raio ilumina a treva
O Cristo assombra o algoz…
Que o gigante da calçada
Com pé sobre a barricada
Desgrenhado, enorme, e nu,
Em Roma é Catão ou Mário,
É Jesus sobre o Calvário,
É Garibaldi ou Kossuth.
A praça! A praça é do povo
Como o céu é do condor
É o antro onde a liberdade
Cria águias em seu calor.
Senhor!… pois quereis a praça?
Desgraçada a populaça
Só tem a rua de seu…
Ninguém vos rouba os castelos
Tendes palácios tão belos…
Deixai a terra ao Anteu.
Na tortura, na fogueira…
Nas tocas da inquisição
Chiava o ferro na carne
Porém gritava a aflição.
Pois bem… nest’hora poluta
Nós bebemos a cicuta
Sufocados no estertor;
Deíxai-nos soltar um grito
Que topando no infinito
Talvez desperte o Senhor.
A palavra! vós roubais-la
Aos lábios da multidão
Dizeis, senhores, à lava
Que não rompa do vulcão.
Mas qu’infâmia! Ai, velha Roma,
Ai, cidade de Vendoma,
Ai, mundos de cem heróis,
Dizei, cidades de pedra,
Onde a liberdade medra
Do porvir aos arrebóis.
Dizei, quando a voz dos Gracos
Tapou a destra da lei?
Onde a toga tribunícia
Foi calcada aos pés do rei?
Fala, soberba Inglaterra,
Do sul ao teu pobre irmão;
Dos teus tribunos que é feito?
Tu guarda-os no largo peito
Não no lodo da prisão.
No entanto em sombras tremendas
Descansa extinta a nação
Fria e treda como o morto.
E vós, que sentis-lhe o pulso
Apenas tremer convulso
Nas extremas contorções…
Não deixais que o filho louco
Grite “oh! Mãe, descansa um pouco
Sobre os nossos corações”.
Mas embalde… Que o direito
Não é pasto do punhal.
Nem a patas de cavalos
Se faz um crime legal…
Ah! não há muitos setembros
Da plebe doem os membros
No chicote do poder,
E o momento é malfadado
Quando o povo ensangüentado
Diz: já não posso sofrer.
Pois bem! Nós que caminhamos
Do futuro para a luz,
Nós que o Calvário escalamos
Levando nos ombros a cruz,
Que do presente no escuro
Só temos fé no futuro,
Como alvorada do bem,
Como Laocoonte esmagado
Morreremos coroado
Erguendo os olhos além.
Irmãos da terra da América,
Filhos do solo da cruz,
Erguei as frontes altivas,
Bebei torrentes de luz…
Ai! soberba populaça,
Rebentos da velha raça
Dos nossos velhos Catões,
Lançai um protesto, é povo,
Protesto que o mundo novo
Manda aos tronos e às nações.

* * * * *

BOA NOITE

Boa noite, Maria! Eu vou-me embora.
A lua nas janelas bate em cheio...
Boa noite, Maria! É tarde... é tarde...
Não me apertes assim contra teu seio.

Boa noite!... E tu dizes – Boa noite.
Mas não digas assim por entre beijos...
Mas não me digas descobrindo o peito,
– Mar de amor onde vagam meus desejos.

Julieta do céu! Ouve... a calhandra
já rumoreja o canto da matina.
Tu dizes que eu menti?... pois foi mentira...
...Quem cantou foi teu hálito, divina!

Se a estrela-dalva os derradeiros raios
Derrama nos jardins do Capuleto,
Eu direi, me esquecendo dalvorada:
"É noite ainda em teu cabelo preto..."

É noite ainda! Brilha na cambraia
– Desmanchado o roupão, a espádua nua –
o globo de teu peito entre os arminhos
Como entre as névoas se balouça a lua...

É noite, pois! Durmamos, Julieta!
Recende a alcova ao trescalar das flores,
Fechemos sobre nós estas cortinas...
– São as asas do arcanjo dos amores.

A frouxa luz da alabastrina lâmpada
Lambe voluptuosa os teus contornos...
Oh! Deixa-me aquecer teus pés divinos
Ao doudo afago de meus lábios mornos.

Mulher do meu amor! Quando aos meus beijos
Treme tua alma, como a lira ao vento,
Das teclas de teu seio que harmonias,
Que escalas de suspiros, bebo atento!

Ai! Canta a cavatina do delírio,
Ri, suspira, soluça, anseia e chora...
Marion! Marion!... É noite ainda.
Que importa os raios de uma nova aurora?!...

Como um negro e sombrio firmamento,
Sobre mim desenrola teu cabelo...
E deixa-me dormir balbuciando:
– Boa noite! –, formosa Consuelo...


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