CAROLINA MARIA DE JESUS nasceu em Sacramento (MG) em 14 de março de 1914. É autora da autobiografia Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada, publicado originalmente em 1960, com edição do jornalista Audálio Dantas.
Mas a história literária de Carolina de Jesus começa a publicação de um poema que homenageava o presidente Getúlio Vargas, publicado na edição do dia 24 de fevereiro de 1941 no jornal Folha da Manhã. Passou a ser conhecida como “A poetisa negra”.
O livro publicado em 1960 tirou Carolina da favela do Canindé, em Franca, interior de São Paulo. A Academia Paulista de Letras e a Academia da Faculdade de Direito de São Paulo a homenagearam e, em 1961, chegou a viajar para a Argentina, onde foi agraciada com a Orden Caballero Del Tornillo. Na sequência, publicou Casa de Alvenaria: Diário de uma Ex-favelada (1961), Pedaços da Fome (1963) e Provérbios (1965).
A escritora foi traduzida para mais de 10 idiomas e escreveu mais de cinco mil páginas – poemas, peças de teatro, contos, romances, relatos, provérbios e letras de música. Apesar disso tudo, voltou à condição de catadora de papel. Conseguiu, com os filhos, mudar-se para um sítio no bairro de Parelheiros, em São Paulo, e faleceu no dia 13 de fevereiro de 1977, esquecida pelo mercado editorial.

* * * * *

A Rosa

Eu sou a flor mais formosa
Disse a rosa
Vaidosa!
Sou a musa do poeta.

Por todos su contemplada
E adorada.

A rainha predileta.
Minhas pétalas aveludadas
São perfumadas
E acariciadas.

Que aroma rescendente:
Para que me serve esta essência,
Se a existência
Não me é concernente…

Quando surgem as rajadas
Sou desfolhada
Espalhada
Minha vida é um segundo.
Transitivo é meu viver
De ser…
A flor rainha do mundo.

(em Antologia Pessoal, 1996)

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O COLONO E O FAZENDEIRO

Diz o brasileiro
Que acabou a escravidão
Mas o colono sua o ano inteiro
E nunca tem um tostão.

Se o colono está doente
É preciso trabalhar
Luta o pobre no sol quente
E nada tem para guardar.

Cinco da madrugada
Toca o fiscal a corneta
Despertando o camarada
Para ir à colheita.

Chega à roça. O sol nascer.
Cada um na sua linha
Suando e para comer
Só feijão com farinha.

Nunca pode melhorar
Esta negra situação
Carne não pode comprar
Pra não dever ao patrão.

Fazendeiro ao fim do mês
Dá um vale de cem mil-réis
Artigo que custa seis
Vende ao colono por dez.

Colono não tem futuro
E trabalha todo dia
O pobre não tem seguro
E nem aposentadoria.

Ele perde a mocidade
A vida inteira no mato
E não tem sociedade
Onde está o seu sindicato?

Ele passa o ano inteiro
Trabalhando, que grandeza!
Enriquece o fazendeiro
E termina na pobreza.

Se o fazendeiro falar:
Não fique na minha fazenda
Colono tem que mudar
Pois há quem o defenda.

Trabalha o ano inteiro
E no natal não tem abono
Percebi que o fazendeiro
Não dá valor ao colono.

O colono quer estudar
Admira a sapiência do patrão
Mas é um escravo, tem que estacionar
Não pode dar margem à vocação.

A vida do colono brasileiro
É pungente e deplorável
Trabalha de janeiro a janeiro
E vive sempre miserável.

O fazendeiro é rude como patrão
Conserva o colono preso no mato
É espoliado sem lei, sem proteção
E ele visa o lucro imediato.

O colono é obrigado a produzir
E trabalha diariamente
Quando o coitado sucumbir
É sepultado como indigente.

(em Antologia Pessoal, 1996)


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