Poeta simbolista, GILKA MACHADO nasceu no Rio de Janeiro em 12 de março de 1893. Integrante do grupo de
“espiritualistas” da revista Festa
(1927), Gilka estreou em um concurso literário do jornal A Imprensa, aos 14 anos – quando foi taxada de “matrona imoral”
pelos críticos da época –, e seu primeiro livro, Cristais Perdidos, foi publicado em 1915, aos 22.
A antologia Sonetos y Poemas de Gilka Machado foi
publicada em Cochabamba, na Bolívia, em 1932, e, um ano depois, foi eleita “a
maior poetisa do Brasil”, a partir de um concurso realizado pela revista O Malho (Rio de Janeiro).
Embora contestada inicialmente,
chamou a atenção dos críticos e é uma das pioneiras na escrita de poesia
erótica no Brasil. Seus poemas são audaciosos para os moralistas do
final do século XIX, pois falam da condição feminina e do desejo de se libertar
do papel imposto à mulher. Com eles e com sua participação social e política – é
uma das fundadoras do Partido Republicano Feminino em 1910 – rompe com alguns paradigmas
até então estabelecidos.
“A ousadia de sua lírica não
foi aceita, principalmente porque pregava a libertação dos instintos femininos
sem reservas, numa linguagem direta e franca, diferente daquela praticada por
poetas da época, que ainda se ressentiam das influências parnasianas, com suas
metáforas arrojadas e suas inversões sintáticas”, escreve Rosana Gonçalves
(2012, p. 9).
Entre seus livros, Estados de Alma (1917), Mulher Nua (1922), Meu glorioso pecado (1928) e Sublimação
(1938) – em 2017 a obra de Gilka Machado foi reunida em Poesia Completa, num projeto da editora paulista Demônio Negro,
organizado por Jamyle Hassan Rkain, que resgata a obra da poeta, esgotada desde
1993.
Em 1976 foi convidada por
Jorge Amado para fazer parte da Academia Brasileira de Letras (ABL), mas
recusou, ficando para a escritora Raquel de Queiroz o título de ser a primeira
mulher eleita para a ABL em 1977. Gilka ganhou o prêmio Machado de Assis da
mesma Academia Brasileira de Letras em 1979, e, no dia 17 de dezembro de 1980, faleceu,
aos 87 anos – mais há mais de uma década havia abandonado a poesia.
* * * * *
OLHOS VERDES
Ha
na vibrante côr dos teus olhos, creatura,
a
virential frescura
dos
verdes e viçosos vegetaes;
teus
olhos são, na côr e na espessura,
florestas
virginaes,
onde
das illussões o alacre bando
passa,
de quando em quando,
cantando...
Olhos
de expressões graves e fidalgas,
postos
na introversão dos intimos scismares.
Olhos
que lembram solitarias algas,
pompeando
á superficie esmaecida dos mares.
Olhos
onde do olhar alheio mal escondes
a
tua alma aisteroide, a tua alma singular,
pois,
coma através das frondes
côam-se
pelo espaço as filandras do luar,
tua
alma os olhos te ablue, inunda,
transvasa
e o rosto te illumina e banha
de
uma luz albuginea, luz estranha,
luz
que do luar supponho oriunda.
Ha
nos teus olhos a verdura intensa
das
aguas mortas, das estagnações,
e
quem os vê, depressa, pensa
vêr
tenros tinhorões...
Olhos
de cujo olhar os gonfalões desfraldas,
e
deixas a rolar por todo o ambiente,
como
uma chuva undante, uma chuva esplendente,
uma
diliquescencia de esmeraldas.
Quando
entreabro do sonho os fenestraes postigos
e
aos teus olhos amigos,
para
melhor os vêr, envio o olhar,
tuas
pupillas julgo orvalhados pascigos
onde,
sempre a pastar,
vive,
das illusões proprias só das creancinhas,
o
armento de ovelhinhas.
Olhos
que lembram folhas pendidas,
folhas
do vento na aza levadas,
postas
em tristes, hiemaes jazidas
de
alvacentas estradas.
Olhos
macios,
cujos
olhares supponho rios
a
desaguarem nos olhos meus;
olhos
de tal mysticismo feitos
que,
olhos herejes ficam sujeitos,
só
por fital-os, a crêr em Deus.
Divinos
olhos, cujas pupillas,
langues,
tranquillas,
são
duas malvas,
malvas
escuras,
abertas
sempre sobre as brancuras
das
corneas alvas...
Olhos
com os quaes meus olhos maravilhas
de
luz,
olhos
que são abandonadas ilhas
do
oceano á flux...
ilhas
distantes,
apparecidas
em alto mar,
onde
os meus olhos – dous navegantes,
andam
buscando sempre aportar.
Olhos
serenos, olhos de creança,
de
olhar queixoso como onda mansa,
como
onda calma,
que
lasso, leve, langue se lança
na
praia solitaria da minha alma.
Olhos
solennes e scismadores,
verdes
como os oceanos, como as franças,
olhos
– embalsamadas esperanças
postas
sobre o brancor de estaticos andores.
Olhos
tristonhos,
por
onde vejo, em procissão e em côro,
desfilarem
verdes sonhos,
sob
os arcos triumphaes dos supercilios de ouro.
* * * * *
Ser mulher
Ser mulher, vir à luz trazendo a alma talhada
para os gozos da vida: a liberdade e o amor,
tentar da glória a etérea e altívola escalada,
na eterna aspiração de um sonho superior…
Ser mulher, desejar outra alma pura e alada
para poder, com ela, o infinito transpor,
sentir a vida triste, insípida, isolada,
buscar um companheiro e encontrar um senhor…
Ser mulher, calcular todo o infinito curto
para a larga expansão do desejado surto,
no ascenso espiritual aos perfeitos ideais…
Ser mulher, e oh! atroz, tantálica tristeza!
ficar na vida qual uma águia inerte, presa
nos pesados grilhões dos preceitos sociais!
* * * * *
Volúpia
Tenho-te, do meu sangue alongada nos veios,
à tua sensação me alheio a todo o ambiente;
os meus versos estão completamente cheios
do teu veneno forte, invencível e fluente.
Por te trazer em mim, adquiri-os, tomei-os,
o teu modo sutil, o teu gesto indolente.
Por te trazer em mim moldei-me aos teus coleios,
minha íntima, nervosa e rúbida serpente.
Teu veneno letal torna-me os olhos baços,
e a alma pura que trago e que te repudia,
inutilmente anseia esquivar-se aos teus laços.
Teu veneno letal torna-me o corpo langue,
numa circulação longa, lenta, macia,
a subir e a descer, no curso do meu sangue.
* * * * *
Meu Glorioso Pecado
(da série de alguns)
Se te injuriei, por uma rebeldia
dos meus nervos exaustos de pesar,
pensa com que perversa hipocrisia
tu me agastaste para me magoar!
Pensa que, só por teu sabor de um dia
– glória de uma conquista singular –
minha vida perdeu toda a alegria,
é uma morte que vivo devagar!
Sempre a revolta vem de uma agonia:
a injúria ser um beijo poderia,
teu beijo envenenou-me o paladar
Medita alma volúvel, alma fria:
– Quanta vez uma ofensa acaricia!
– Como um carinho sabe nos matar!
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