A poeta-andarilha DEISIANE BARBOSA, que também é artista visual e costureira de livros, nasceu no dia 19 de dezembro de 1992, em São Félix, no Recôncavo da Bahia. Seu mais recente livro é refugos (2019). Antes dele, publicou desavesso (2016, com poemas e fotografias) e cartas à Tereza: fragmentos de uma correspondência incompleta (2015) – ambos de forma independente.

Em 2018 participou da 32ª Feria Internacional del Libro de Guadalajara, no México, com o projeto Afroliteratura Baiana, e em 2019 da Feira Literária de Mucugê (BA), com participação no bate-papo “Livros livres: literatura além da página”; atualmente trabalha na criação do Inventário / da ilha \ de Tereza, livro de artista composto por narrativas poéticas protagonizadas por femininos.

Mestre em Artes Visuais pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) – participou do Projeto Grafias Eletrônicas, promovido pela Fundação Cultural do Estado da Bahia (FUNCEB) –, desenvolve pesquisas em literatura, performance, videoarte e livro de artista. Integra o imuê – Instituto Mulheres e Economia.


* * *


 

abre caminho


há uma pedra no meio do caminho

vai no mato arranca folha ferve água faz um chá

de quebra-pedra sorve tudo espera efeito mas

no meio do caminho há uma pedra faz atrito

faz faísca faz fogueira

senta um pouco espera o tempo

passar mas ainda há

no meio do caminho uma pedra

traz carroça traz caçamba traz guindaste

iça o peso chama gente faz esforço e

no meio do caminho teima pedra

lança água atiça água açoita água

mas não fura não dissolve não tritura não dilui não esfarela

chama o tempo cumpre espera espera a boca da ladeira

vai que rola vai que roda

vai que venta vai que voa vai que some vai que a terra se tonteia

abre-te sésamo e a pedra

abre caminho


* * *


habitares


não há percurso que eu trace

onde eu não leve

a casa

nas costas


para onde quer que eu ande

levo o quarto,

a cozinha e a minha

sala de estar


moro inconstante

moro fugaz

moro sem me

demorar,


minha casa é todo caminho

onde imprimo

meus passos

ligeiros


* * *


o percurso da corrente de ar


o sono pesado levita agruras.

dorme teus olhos cansados na poesia

santa luzia rogai por nós, ewá

dorme ouvidos

dorme boca gotejante tanto recitar versos úmidos

pra que ela te sorteie sempre bem-me-quer.

saliva tonelada desiste de caber ali parada

cada vez mais,

ou engole ou cospe

não dá pra peneirar o inteiro

tão constantemente

e ainda assim lucrar um vintém de proveito.

dorme aleatório avesso

dorme

sonha repertório de águas casas mar areia cheiros sol

longa saudade

só assim

pra aliviar teus ombros de todo malmequer

pra aliviar

dorme o sono pesado

deita delírio entregue

nas mãos milagrosas do tempo oyá santa clara

clariô

depois desperta refeita

troveja grito sufocado.

ninguém jamais

poderá frear o vento,

ninguém sequer perscruta

o percurso da corrente

de ar


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