DENISE FREITAS nasceu em Rio Grande (RS) em 10 de dezembro de 1980. Este ano publicou O gesto sensível do mundo (2020).

São dela, também, Percurso onde não há (2017), Veio (2014), Mares inversos (2010) e Misturando memórias (2007).

Tem textos e poemas publicados em coletâneas (como a organizada por Dilan Camargo, em 2013), revistas de poesia e crítica literária – Sibila, Germina Literatura, Musa Rara, Modo de Usar e InComunidade, entre outras.

Escreve, também, para o site www.sisifoemperdas.blogspot.com.

 

* * *

NOITE IMÓVEL

 

A janela é tudo que sei

do mundo a essa altura dos dias.

 

Ao lado do muro a palmeira

tísica move uma floresta

inteira (ou a memória dela).

 

No cenário sem horizonte

possível ao redor da sombra

um bambuzal resmunga, range

horas ditando a noite imóvel.

 

Pássaros povoam o pouco

escuro estreito do céu entre

os bambus e a palmeira em frente.

 

* * *

 

O VÍCIO DE JANAÍNA

 

Todo dia Janaina abre a janela

         sabendo a robusta semelhança

         entre o que vê e viu.

 

Todo dia Janaina abre a janela,

         enche os olhos daquilo que imagina

         janela à paisagem menos sua.

 

Janaina, todo dia, enubla-se

         mais que a madrugada pavorosa,

         depois anoitece diante do mundo,

         guarda a janela

         e dorme sem dizer palavra.

 

* * *

 

OUTRAS COISAS CORTAM

 

Umas quantas sombras, leva, atravessam todo território.

Centenas de corpos muito mais que sombras aterroram

massacres e a tonelada de equívocos que os acompanha.

 

Ainda assim, sobram outras coisas sob o fumo das gentes.

 

Perto dali, crianças andam ruas onde não há calçada; no mesmo

caminho, uma delas cruza manhãs e restos que não são seus.

Sobra para ela, que leve, seu rumo frágil e de mais dois irmãos.

 

Ainda assim, pesam outras coisas sobre o sono das gentes.

 

O solo se desdobra, reveza de alto a raso o escuro líquido

que corre ao lado. Dentro desse veio adormece outro rio-rastro

todo força revestida daquilo que de hora em hora desiste.

 

Ainda assim, outras coisas cortam desde o leito das gentes.

 

No fim da tarde, meninas trocam entre si alguns enfeites.

Como quem fala histórias de assombro, ensinam umas às outras

truques de evitar estupros, e o que há nas cadeias, e nas bocas.

 

Ainda assim, sempre mais ilusão recobre o horror das gentes.

 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog