JEANNE CALLEGARI é poeta, nascida no dia 14 de dezembro de 1981 em Uberaba (MG). O primeiro livro de poemas é Miolos frescos, de 2015. Sua publicação mais recente é Amor eterno 2 (2019), precedido por Botões (2018). Também é autora da biografia Caio Fernando Abreu: Inventário de um escritor irremediável, de 2008.

Jornalista, produtora cultural, é integrante do projeto Escritores na Estrada, curadora e poeta residente do Macrofonia!, evento de poesia audiovisual criado em 2017, em São Paulo. Com Raul Costa Duarte, desenvolve o projeto poético-sonoro Botões, e com Maíra Mendes Galvão forma o duo Pingues Ovelhas, de pesquisa em poesia, performance e tradução.


* * *



28 de outubro, 2012


dia de eleição em são paulo. assisto

à apuração no apartamento da mãe

da minha amiga. a amiga está lá, sua mãe,

o irmão, o marido. comemos bolo

de mandioca e tomamos vinho em taças

pequenas, bonitas. nessa e phillip

se juntam a nós. a sala está abafada

e vamos para a varanda, de onde dá pra ouvir

a gritaria das crianças nos prédios ao redor. eu me sinto

muito produtiva: acordei cedo,

lavei a louça com meu ritual específico,

depilei as pernas, ouvi cocteau twins e escrevi um poema

sobre uma amizade perdida.

phillip lavou roupa, arrumou o quarto, limpou as mesas,

levou o lixo para fora e saiu para o samba. escrevi um ensaio

de 585 palavras

sobre “por que não sou um pintor”, de frank o’hara.

de repente a chuva, granizo no vidro. quando ela para,

saio. o apartamento da mãe de minha amiga

é na rua de baixo. o ar está fresco, agradável,

eu gostaria de fazer um caminho um pouco mais longo,

andar um pouco mais. chego

ao apartamento depois de errar

de elevador e abraço minha amiga. finalmente

o candidato, de camisa vermelha, aparece

para o discurso da vitória. noto, pela primeira vez,

que tem covinhas. na semana anterior, vi dez mil pessoas

na praça afirmando que havia amor em sp. o ar está abafado

e leve. minha amiga comenta

como é bom ter um prefeito que não menciona deus

uma única vez em seu discurso.


* * *


educada


não é que eu não queira

são indecentes essas coxas

e você sabe

o mínimo de tecido

que a sociedade aceita

alonga as pernas

de ginasta ouvindo

chet baker

e se eu não te mordo é por ter

boas maneiras

convém não atacar

quem nos dá casa

mas tome tenência

: mais dessa mirada

e eu esqueço

a etiqueta


* * *


agora fobia


já não lembro o calor

de sua pele

a pressão exata de seus dedos

o cheiro dos seus cabelos

a curva do ar no seu peito

exausto ao lado


eu tive medo, sim

tive saudade

mas inútil tentar deter com as unhas

a corrente

reter, com apelos

a luz da tarde


: um segundo de silêncio, então

pelo instante decisivo

do qual chegamos rente

e saímos sem alarde


depois percorrer os dias

noites e nostalgias

até um novo nome

onde hoje o seu arde


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