ZAINNE LIMA DA SILVA nasceu em Taboão da Serra (SP) em 26 de dezembro de 1994. Seus livros de poesia são Pedra sobre pedra e Canções para desacordar os homens (independente, em meio digital), ambos de 2020.

Publicou, ainda, Pequenas ficções de memória (2018), com narrativas em primeira pessoa, e participou das antologias Escritoras de Cadernos Negros (2020), Jovem Afro (2017) e dos Cadernos Negros (2019 e 2018). Escreve para as páginas Zênite e para o coletivo Entre Irmãs, as duas no Facebook.

É uma das cofundadoras do coletivo Flores de Baobá e do coletivo Fora da Garrafa, de arte-educação. É professora e pesquisadora, bacharel em Letras pela Universidade de São Paulo (USP).


* * *

REENTRÂNCIAS


amar as mãos e os pés do homem negro

saber quantas de suas canelas

fugiram de polícias milícias

quantas vezes seus ombros caíram

em mãos atrás da cabeça

amar suas impressões digitais

debaixo dos calos de trabalho

e música

amar suas cicatrizes

de skate cerol e bala perdida

amar seu sobrenome

sem pai

amar seu corpo estirado no chão

vivo ou morto (sempre morto)

amar seus traumas suas neuroses

amar suas contradições

amar sua ejaculação precoce

sua ejaculação retardada

sua impotência

diante dos absurdos da vida

amar as canções que ele ama

amar os poemas que ele odeia

escrever sobre sua percepção de mundo

respeitar seu silêncio

exercitar sua paciência

despertar sua delicadeza

perceber a minúcia

atrás da couraça protetora

saber arrancá-lo à força de seu pesadelo

pôr-se à beira do precipício

que é amar um homem negro

ser gentil na queda

esquecer a colisão


* * *


HIJA DE YEMAYÁ


a Annandra Lís


tu vem me arrastando como onda brava

achando que o amor é isso, um joelho ralado

uma queda engraçada pra gringo rir

tu vem me arrastando

e nem liga se eu estou conseguindo respirar

se perdi meu biquíni no tombo

se engoli ou não a água suja do mar usado

se terei virose por quinze dias seguidos

tu vem me arrastando

com essa voz de sereia amuada

eu nem quero ir, já lhe disse

que o rio teme o desembocar

mas tu mostra as asas, os dentes, os seios

tu me quer, eu te quero (apesar de não querer)

tu vem me arrastando como quem deseja que me afogue

como quem satisfaz as próprias vontades, irredutível

tu vem me arrastando como a morte no oceano

imensa, linda, límpida, viva e feroz

tu me ama, eu te amo

(ainda sem saber o que é amar).


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