O poeta EDUARDO DALL’ALBA nasceu em 4 de dezembro de 1963 em Caxias do Sul (RS). Tendo publicado o primeiro livro, Escavação, em 1988, ganhou o prêmio Açorianos dez anos depois, com Vinhedos das vontades (1997). Mais dez anos se passaram e ele conquistou novamente o Açorianos, desta vez com Lunário Perpétuo (de 2007), mesmo ano em que foi patrono da 24ª Feira do Livro de Caxias do Sul. Entre eles, Margem (1989, premiado o Concurso Anual Literário de Caxias do Sul), Viola de rua (2003), Monólogo do carregador (2004) e a coletânea Os bens intangíveis (2006), que lhe valeu o Prêmio Carlos Drummond de Andrade, concedido pela União Brasileira de Escritores (UBE/RJ), em 2012.

Pós-doutor em Estudos Culturais do Programa Avançado de Cultura Contemporânea da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), depois de graduar-se e pós-graduar-se na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), foi professor, pesquisador e escritor. Sua obra – crítica e poética – foi citada na Benson Latin American Collection e na Universidade de Sorbonne.

Tem, além dos dois livros premiados, participação em diversas antologias e mais quatro obras de estudos literários, entre eles Drummond, leitor de Dante (1996) e Noite e música na poesia de Carlos Drummond de Andrade (2003). Foi dele a iniciativa e dele a organização do livro Matrícula Dois, o primeiro número do que seria a Coleção Fábrica de Escritos da Secretaria Municipal da Cultura (SMC), em 1998, passados pouco mais de 30 anos da publicação fundadora da poesia caxiense, livro que reapresentou os poetas da primeira edição (menos Delmino Gritti) e apresentou “novos” poetas da Serra gaúcha, entre eles Flávio Ferrarini (1961-2015). Ao lado de Ricardo Silvestrin, organizou A palavra não é coisa que se diga (2013).

Para a edição comemorativa dos 40 anos do livro Matrícula, em 2007, que reuniu os poemas originalmente publicados por José Clemente Pozenato, Oscar Bertholdo (1935-1991), Delmino Gritti, Jayme Paviani e Ary Trentin (1944-2002) e foi organizada pelos pesquisadores Flávio Loureiro Chaves e Cleodes Maria Piazza Julio Ribeiro, Dall’Alba escreveu o artigo “As poéticas e a poiesis do ‘Matrícula’”, onde enfatizou que o livro inseriu “a poesia da Serra no sistema da poesia brasileira, de modo simbólico e discreto, como apontavam os meios e a época” (in 2007, p. 207).

Apaixonado pela música, durante mais de 10 anos integrou o Coral da UFRGS, como tenor. Vítima de um infarto, Eduardo Dall’Alba morreu aos 50 anos, na madrugada do dia 24 de dezembro de 2013.


* * *




AS PALAVRAS


As palavras, como as sementes

devem plantar-se em terra boa.

E se espalhar a toda gente

ou perdê-las no fino da garoa.

As palavras, como as sementes

devem plantar-se em terra arada,

para que o broto mesmo ingente

possa brotar do sal da terra

e assim semente, ao ver-se semeada

como ao discurso da palavra usada,

como a palavra em poema.

As palavras, colhê-las como as uvas

na hora precisa, no poema certo.

Sugar-lhes o líquido sagrado

do sentido, até que fartos

do discurso e embriagados de palavras

durmamos o sono simples dos mortais

sem nem sentido precisarmos mais.


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NOTURNO À JANELA DO ESCRITÓRIO


Da janela do escritório

não vejo flor, jardim, estrela

não vejo o mar em suas ondas

bater na orla da praia;

vejo apenas o edifício de 42 andares

vejo a cor do prédio apenas

enquanto ondas sonoras de um carro modernoso

de rapaz adolescente que queira impressionar moças

invade a rua e os ares – bate estaca definido – posto em frente ao edifício

que vejo à noite, do escritório.

Então a visão precária

define, de antemão, o pouco que se dá a ver

e uma mínima certeza de que não há paisagem

da pouca luz que se esconde por entre a rua

lá embaixo

de modo que ver o mínimo, desse mínimo horizonte

tangente visão de sobre como as coisas são pequenas

se incrustram no ser, penetram, e fica sendo moderno

ver o pouco que se enxerga, por mais que anseie – e se anseia –

ver o mais de completude que cabe nesse pequeno

medido chão universo, por mais que queira – e se quer –

ver a medida das coisas e o mundo definido

se compondo desse mínimo, dessa visão tão pequena

que se vislumbra na noite da janela do escritório.


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ESCREVER


Escrever se limita com tudo que respira

a alma inquieta ou a vida burra;

escrever se limita com a morte:

o poeta morre quando escreve

a palavra morre quando escrita

só depois de lida ressuscita;

escrever se limita com a figura

a noite clara e a noite escura;

escrever é limite do finito

o espaço do dizer o não dito

por isso o poeta é maldito;

escrever se limita com o limite

do que sente o que sente

escrever não é o começo

dor de cabeça, ventre

escrever é entre.


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