Nasce em Rio Grande (RS), o poeta, cronista, romancista e teatrólogo ERNANI FORNARI, em 15 de dezembro de 1899. Aos 29 anos Ernani publicaria pela Editora Globo a primeira edição de Trem da Serra – Poema da região colonial italiana, livro que o situará entre os modernistas brasileiros – a segunda edição será publicada em 1987, pela Livraria Acadêmica.

Em 1920, Ernani havia concluído os estudos no Seminário Santo Antônio, em Garibaldi, e trabalhava como almoxarife da Viação Férrea de Carlos Barbosa e Alfredo Chaves (em Bento Gonçalves) – alguns estudiosos apontam este período como fundamental para a construção poética de seu livro mais conhecido.

Dois anos depois, mudou-se para Pelotas, onde começou a trabalhar com o jornalismo e a dedicar-se ao desenho e à ilustração – assinava como Xisto, Fabius e Neno. Também em Pelotas dirigiu a Biblioteca Pública e ingressou na redação do jornal O Correio Mercantil. Em 1923, publicou Missal da ternura e da humildade, que teve segunda edição em 1933e tornou-se o terceiro autor mais lido do ano.

No ano seguinte, está em Porto Alegre, onde integrou a equipe da revista Máscara, como ilustrador e onde permanecerá por 10 anos. Enquanto isso, colaborava com diferentes veículos de comunicação: Diário de Notícias, Jornal da Manhã, Revisa do Mês e Revista Globo. Travou contato, no período, com Erico Verissimo (1905-1975), Mansueto Bernardi (1888-1966), Augusto Meyer (1902-1970), Athos Damasceno Ferreira Vargas (1902-1975), Olmiro de Azevedo (1895-1974), Rui Cirne Lima (1908-1984) e Tyrteu Rocha Vianna (1898-1963).

Ao longo da vida, Ernani tornou-se membro de diferentes associações culturais e profissionais. Integrou o Pen Club do Brasil e a Associação Brasileira de Imprensa; foi conselheiro vitalício da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (SBAT); frequentava a Academia Petropolitana de Letras e filiou-se ao Lions Club de Petrópolis, onde morou nos últimos anos de vida.

Ao publicar Trem da Serra – 32 poemas que, “inseridos numa narrativa lírica conduzida por um viés étnico, mostra o papel do imigrante e do caboclo na formação da nova identidade nacional”, de acordo com Julia Darol Dall’Alba (2009) –, Ernani alinha-se com o movimento modernista que eclodira em São Paulo. Mas ele não obteve reconhecimento popular devido ao ineditismo da linguagem e da forma da poética desenvolvida na região da Serra gaúcha.

Ernani ainda publicou Praia dos Milagres (poesia, 1932) e Guerra das Fechaduras (contos, 1932) antes de ingressar na carreira pública como Secretário do Interior do Rio Grande do Sul. Em 1935 mudou-se para o Rio de Janeiro, onde assumiu a função de secretário geral do Departamento de Propaganda e Difusão Cultural (DPDC) do governo de Getúlio Vargas, que a partir de 1939 ficaria conhecido como Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP).

Na chegada à capital federal, publicou o romance O homem que era dois e a montagem teatral Nada!, que foi publicada em três edições – o entretrecho da peça foi retirado de um poema de Ernani, “Destinos Malditos”, do livro Praia dos Milagres. Com o reconhecimento do público e da imprensa, escreveu ainda Iaiá Boneca (1938), Sinhá Moça Chorou (1941), Quando se vive outra vez (1947) e Sem Rumo (1951). As montagens de 1938 e 1941 repetiram o sucesso de Nada!. Iaiá Boneca, representada pela primeira vez no Teatro Ginástico do Rio de Janeiro, em 4 de novembro de 1938, pela Companhia Brasileira de Comédia, com direção de Oduvaldo Vianna Filho (1936-1974) e apoio do Serviço Nacional do Teatro, também foi referenciada na música carnavalesca de Ary Barroso (1903-1964); Sinhá Moça Chorou, estrelada por Dulcina de Moraes (1908-1996), mereceu elogios  do jornalista e dramaturgo Viriato Correia (1884-1967) em discurso na Academia Brasileira de Letras (ABL), e foi hors concours da Municipalidade de Porto Alegre e Medalha de Mérito da Associação Brasileira de Críticos Teatrais em 1940.

Enquanto isso, publicou em 1937 a obra paradidática O que os brasileiros devem saber, manual de civismo em que compartilhava os ideais do Estado Novo, mas logo pediu transferência para o Instituto Brasileiro para a Educação, Ciência e Cultura (Comissão Nacional da UNESCO), por discordar das práticas ditatoriais do presidente Getúlio Vargas (1882-1954).

Em 1945 fundou a revista Cocktail e em 1954 assumiu o cargo de secretário cultural da Embaixada do Brasil em Lisboa, na gestão de Olegário Mariano (1889-1958). Depois de aposentar-se do serviço público, escreveu e publicou em 1960 a biografia O “incrível” Padre Landell de Moura (1861-1928), que realizou a primeira experiência de transmissão de voz à distância em 1893, mas que teve o pioneirismo eclipsado pela invenção do rádio pelo italiano Guglielmo Marconi (1874-1937) em 1901.

Ernani  Guadagna Fornari morreu no Rio de Janeiro, em 8 de junho de 1964, no Hospital dos Servidores do Rio de Janeiro, e seu corpo foi sepultado no Cemitério São João Batista.

Deixou inéditos a seleção de poemas Quatro poemas brasileiros – “Descobrimento”, “Dança Brasileira”, “Bugrinha” e “Meus três Brasis” – revelados por Dall’Alba (2009), os textos teatrais Os filhos julgam e Veranico de Maio, a novela Enquanto ela dorme e a reunião de contos Teoria da Bengalada, organizada por Samir Machado e publicada em 2002. Ainda segundo Dall’Alba (2009), Ernani fez referência à reescrita de O homem que era dois e à criação de Histórias e tipos inconvenientes: mas, ao que parece, o segundo não foi localizado e o primeiro não teve reedição.

De acordo com o Dicionário Bibliográfico Gaúcho, de Pedro Leite Villas-Bôas (1991), ainda foram publicados Martins Pena, seu tempo e seu teatro (ensaio, 1947), a Teoria do Fiapo (na revista Província de São Pedro, de Porto Alegre, 1948) e o artigo Antes de Marconi – biografia de Mons. Landell de Moura, na revista Ciência Popular, do Rio de Janeiro, em 1954. Em 1980, a Cia. Vinícola Rio-Grandense editou o livro Histórias de vinho: crônica, crônicas e poesias de autores diversos, pela L&PM, com distribuição restrita.

Para quem quiser conhecer a obra de Ernani Fornari, as duas edições de Trem da Serra, e também outros livros do poeta, encontram-se à disposição na Biblioteca Pública e no Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami, em Caxias do Sul.

Os excertos do poema transcritos abaixo fazem parte da 2ª edição do livro, editado pela Livraria Editora Acadêmica Ltda., Porto Alegre, em 1987.

* * *



ESPERANDO O TREM

(Documentário)


Nas vilas pobres, com estação na frente,

Há festa duas vezes diariamente

– nas horas do trem chegar.

E – Ave Maria! –

quanto aceno de mão, quanta alegria,

quanta alegria solta pelo ar!


O trem investe pela vila, protestando nos mancais,

bisbilhotando os interiores e os quintais

das casas coloniais,

modestas, asseadas e com ninhos nos beirais.


As moças comprometidas

(se não vão à estação é que o noivo não deixa)

ficam de papelotes,

atrás das cortinas de cassa das janelas,

espiando o trem passar.


As mais faceiras, as mais bonitas,

mal contendo a excitação,

em seus vestidos domingueiros,

uns de seda, outros de chita

vão ao footing da estação.


Feira ingênua das vaidades vilarengas!


* * *


CONQUISTA DA SERRA


A Osvaldo Aranha


O gringo veio do mar...


A bugra morena estava na terra

quando o gringo chegou,

dourado de luz,

acordando a floresta com voz empostada

e fazendo calar os inhambus:


“O sole mio...”


Ela não compreendia, mas adivinhava,

naquela toada feliz,

que ele trazia para a Terra Nova,

transformaria em esperança,

a desilusão do seu país.


E enternecida ao som daquela voz,

a bugra ficou espreitando por detrás do pinheiral

o gringo que chegava,

louro e alegre como o sol – que era o deus de seus avós.


E o gringo

construiu uma casa com telhado de tabuinhas!

(O rancho da bugra era de santa-fé...)

E o gringo

plantou trigo na montanha,

plantou linho,

plantou vinhas,

pelo vale botou roça,

milagrando aquele chão que era só pedra e areia grossa.


Mas um dia,

quando o trigo já alourava,

embalada na canção bonita e estranha

do estrangeiro que plantara

também cabelos louros no cocoruto da montanha,

a bugra, embevecida, se deitou sobre o trigal

– e adormeceu.


Foi aí que o italiano, que já vinha

sentindo qualquer coisa diferente em derrredor,

como a presença de alguém,

foi até lá, de gatinha,

e deu com bugra nuinha,

ferrada no sono bom.


Per bacco!


Houve um estremecimento

mais violento

no trigal...

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– Cala o bico, bem-te-vi! Faz que não viu!

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– Dandá, dandá pra ganhá tem-tem!

Figlio mio!


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