Baiano de Jequié, WALY SALOMÃO nasceu em 3 de setembro de 1943. Com pouco mais de 20 anos, já se tornara uma das principais figuras do Tropicalismo, ao lado de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Torquato Neto, Jards Macalé, Gal Costa e Maria Bethânia. Na década de 1970, quando se identificou também com a contracultura, adotou o pseudônimo Waly Sailormoon para publicar o primeiro livro, Me segura qu’eu vou dar um troço (1972; 2003), com textos escritos na prisão (preso por porte de maconha, em 1970), paginados e diagramados pelo artista plástico Hélio Oiticica.

Publicou oito livros em vida – Algaravias, de 1996, ganhou os prêmios Alphonsus de Guimaraens, da Biblioteca Nacional, e o Jabuti; a antologia Mel do Melhor, é de 2001 – e teve outros livros publicados e reeditados após sua morte; mas ainda restam dezenas de cadernos com anotações à espera de publicação. Foi, ainda, ator, letrista, produtor cultural e diretor artístico; também foi secretário do Livro e Leitura em 2003, durante a gestão de Gilberto Gil no Ministério da Cultura (MinC) – uma de suas propostas, até hoje não implementadas, foi a de incluir um exemplar de um livro em cada cesta básica.

Em Salvador, ingressou na Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (UFBA) – onde conheceu Caetano – e, ao mesmo tempo, na Escola de Teatro. Participou, na época do Centro Popular de Cultura (CPC) da capital baiana, ao lado do poeta José Carlos Capinam, do roteirista Geraldo Sarno e do compositor e músico Tom Zé. Depois de formado, em 1967 – sem nunca exercer a profissão –, mudou-se para o Rio de Janeiro.

Atuou principalmente nos bastidores do Tropicalismo – dirigiu o show Fatal (1971), de Gal Costa, no qual a cantora interpretou as músicas “Mal Secreto” e “Vapor Barato”, dele e de Jards Macalé (com quem criou o gênero “morbeza-romântica”); com Bethânia, emplacou sucessos como “Anjo Exterminado” (com Macalé, em 1972), “Mel” (com Caetano, em 1979), “Talismã” (com Caetano, em 1980) e Alteza”, entre outros. Para os Doces Bárbaros, grupo que reunia Caetano, Gil, Gal e Bethânia, compôs “Tarasca Guidon” (1976).

Nos anos 70, editou a revista Navilouca, com Torquato Neto. O livro Os últimos dias de paupéria, de Torquato, foi organizado por Waly e Ana Maria Silva de Araújo Duarte, e publicado no Rio de Janeiro pela Livraria Eldorado Tijuca, em 1973, depois pela Max Limonad, em 1982. Na sequência, embarcou para os Estados Unidos, onde encontrou-se em Nova York com Hélio Oiticica – de quem publicou Aspiro ao grande labirinto (1986), fez a curadoria da mostra O q faço é música e sobre quem escreveu a biografia Qual é o Parangolé (1996) – e estudou inglês na Universidade de Columbia. Na volta ao Brasil, conheceu Paulo Leminski em 1976, para quem apresentou Babilaques (que viria a ser editado, postumamente, em 2007).

Na década de 1980, compõs com Lulu Santos (“Assaltaram a Gramática”, gravada pelos Paralamas do Sucesso em 1984), com Roberto Frejat (“Balada de um Vagabundo”) e com Itamar Assumpção (“Zé Pelintra”, 1988). Já nos anos 90, voltou-se para a “nova geração”: com Adriana Calcanhoto, compôs “A Fábrica do Poema” (1994) e “Pista de Dança” (1998), e produziu o disco e o show “Veneno Antimonotonia” (1997), dedicado à obra de Cazuza. Dividiu com Caetano a trilha sonora do filme Quilombo, de Cacá Diegues, e participou, ao lado de Leminski, Francisco Alvim e Chacal, do curta-metragem Assaltaram a Gramática, de Ana Maria Magalhães.

Na década de 1990, foi nomeado diretor de comunicação da ONG de Vigário Geral, participa do vídeo Trovoada, de Carlos Nader (1996) e com ele cria a performance Bestiário Masculino-Feminino (1998); o show de Cássia Eller, por ele produzido foi eleito “o melhor do ano” pela imprensa; é entrevistado pela TV síria e escreve o poema “Janela de Marinetti”, dedicado ao irmão Jorge Salomão (1998); em 1999, participa do Festival Aylout de Arte Eletrônica, no Líbano e, na viagem ao Oriente Médio, volta à ilha de Arwad, na Síria, onde reencontra os parentes paternos – as imagens dessa viagem são incluídas no documentário de Carlos Nader, Pan cinema permanente, de 2007. Ainda integrou o Conselho Curatorial da Associação Cultural Videobrasil.

Em 2002 participou do filme Gregório de Matos, da cineasta Ana Carolina, onde interpretou o poeta baiano, ao lado de Marília Gabriela e Ruth Escobar (na década de 1980 foi presidente da Fundação Gregório de Matos, sucedendo a Gilberto Gil). Sua morte, em 5 de maio de 2003, foi provocada por um  tumor no intestino. E, ao morrer, era mais do que um poeta. “Agora quando olho, vejo que tenho um lado meio ambíguo em relação a tudo isso, eu nunca gostei do manto da maldição sobre a poesia, até quando muitos poetas a aceitavam”, disse, em entrevista para Adolfo Montejo Navas, publicada na revista Cult, de outubro de 2001.

Em 2005, Jards Macalé gravou o CD Real Grandeza, em que apresenta 11 composições da dupla, como “Vapor Barato”, “Mal Secreto” e “Negra Melodia”. Em 2010, Waly recebeu homenagem do Grupo Cultural AfroReggae com a criação do Centro Cultural Waly Salomão, e, em 2014, foi publicado o livro Poesia Total. Em 2018, quando completaria 75 anos, a Rádio Senado veiculou uma homenagem ao poeta (disponível no link www12.senado.leg.br/radio/1/curta-musical/75-anos-de-waly-salomao).


* * *


VAPOR BARATO


Oh, sim

eu estou tão cansado

mas não pra dizer

que não acredito mais em você

com minhas calças vermelha

meu casaco de general

cheio de anéis

vou

descendo

por todas as ruas

e vou tomar aquele velho navio

eu não preciso de muito dinheiro

graças a Deus

e não me importa

Oh minha honey baby

baby honey baby

Oh, sim

eu estou tão cansado

mas não pra dizer

que estou indo embora

talvez eu volte

um dia eu volto

quem sabe?

mas eu quero esquecê-la

eu preciso

Oh minha grande

Oh minha pequena

Oh minha grande obsessão

Oh minha honey baby

honey baby


* * *


VIGIANDO O OCO DO TEMPO


Deslizo,

oculto aqui,

vigiando o oco do tempo.

Espaço ermo, parado.

Nada acontece. Nada parece acontecer.

Mas algo flui, o irremediável,

queimando todas as pontes de regresso.

Todo o passado está morto;

só vige o que vem, o que surge.

Todas as coisas íntegras dilaceram-se

ou são dilaceradas.

A velha senhora viajada,

detentora do recorde de milhagens,

temerosa das vacas do Ganges

depois de ter contemplado um berne

ao microscópio.

Berne que agora corrompe e torna pútrida

qualquer carne verde que ela vê

pois seu olho holografa

o esqueleto subjacente a todo corpo vivo.

Viver em mudança.

 

O assoalho repleto das peles velhas das cobras

e do pelo felpudo das aranhas caranguejeiras.

Viver em mudança.

Que a sobre-humana poesia pica e envenena um

homem.

 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog