MÁRIO BORTOLOTTO nasceu em Londrina (PR) em 29 de setembro de 1962. Poeta, publicou Para os inocentes que ficaram em casa (1997), Um bom lugar para morrer (2010) e O pior lugar que eu conheço é dentro de minha cabeça (2018) prosador, os romances Mamãe não voltou do supermercado (1996), Bagana na chuva (2003) e DJ – Canções para tocar no inferno (2010), as coletâneas Gutemberg Blues (2001) que reúne artigos escritos para os jornais Folha de Londrina e Correio Londrinense, e Atire no Dramaturgo (2006) com textos publicados no blog – além de textos escritos para o teatro,
Atuou nos filmes Augustas,
Ralé e No vazio da noite, e na série televisiva A Teia, escrita por Braulio Mantovani. Fundou o grupo de teatro
Chiclete com Banana (1982), que depois mudou o nome para Cemitério de
Automóveis (1987). No teatro, fez parte do elenco de Frida Kahlo (1996), dirigida por Fauzi Arap. Criou a Mostra
Cemitério de Automóveis, em São Paulo, que lhe valeu o Prêmio APCA pelo
Conjunto da Obra, e que teve a segunda edição em 2002. Também ganhou o Prêmio
Shell de Melhor Autor por Nossa vida não
vale um Chevrolet.
Fundou, também, o grupo Saco de Ratos Blues, em 2007, que
teve o primeiro CD, Velhos bêbados
barrigudos tocadores de blues, lançado em 2010.
* *
*
O SOM QUE FAZ QUANDO O TACO CAI
Agora você anda triste
E sua tristeza tem um tom dramático
de mulheres do século passado
Você anda triste
como um blues de Billie Holliday
Enquanto passa geléia importada na torrada
e passeia nos fins de tarde no seu carro blindado
E sua tristeza a impede de se sentir segura
com tantos fotógrafos e colecionadores de
escândalos
Agora você anda triste escolhendo roupas no
shopping
e não gosta do que vê no espelho do provador
Daqui eu te vejo triste
perdida numa festa que eu não quis entrar
Sua silhueta de diva lírica quase me enternece
mas eu não pretendo perdoar suas boas intenções
E sei que sua tristeza não te impede de pensar
em viagens
a Tóquio & domingos de Páscoa
Mas eu sou um troglodita
com uma herança maldita
Tomando chá em copos de whisky
e rezando pro dia amanhecer
Então não fica amargurada no transatlântico pra
Atenas
Não se sinta autorizada a pensar em mim
Não fica triste, baby
é que antes de te conhecer
Eu já me esqueci de você
* * *
PESSOAS
QUE VÃO ATÉ O FIM
“Acho que você tá numa puta
encruzilhada na sua merda de vida”, foi o que ela me falou enquanto eu tirava o
pote de maionese da geladeira e tentava de maneira atrapalhada improvisar um
hot-dog pro meu almoço.
“Do que você tá falando?”
“Esse negócio de você querer algo, mas esperar que os outros decidam por
você.”
“Eu não sou assim.”
“Claro que é. Você fica sentado aqui nessa sua caverna escura, ouvindo
esses discos velhos e achando que a vida te deve alguma coisa”.
“Ninguém me deve nada. Quer o seu com pouca maionese?”
“Eu não quero porra nenhuma de cachorro quente. Eu quero que você me
ouça.”
“Tá bom. Vou colocar pouca”.
“Você nunca vai me ouvir mesmo, porra. Eu vou embora daqui.”
“Mas você não vai nem comer o cachorro quente? Tá gostoso.”
“Você sabe o que fazer com essa merda de cachorro quente.”
E foi embora esbravejando. Bateu a porta de maneira escandalosamente
teatral. Fiquei sozinho pensando em varias possibilidades. Resolvi comer o
cachorro quente. Pensando bem, nem tinha tantas opções assim. E de uns tempos
pra cá decidi que só admiro pessoas que vão o até o fim.
* * *
O NOME DO
LIVRO
Tô com esse livrinho lá em casa
e ele me faz companhia
Deixo ele de lado entre a Digital e o Aurélio
e de vez em quando vou lá e capturo um verso
Velas nos pés e fogueiras no jardim
Esse livrinho lá em casa
me salva de tecer comentários nas reuniões de fim
de tarde
É o meu salvo conduto pela terra devastada
Me livra da angústia de ser
o marido exemplar,
o bom pai assustado
chutando a porta da geladeira
num momento de horror
jogando fora pratos e frigideiras
E no mundo inteiro
você pode encontrar homens tristes como eu
que são salvos por esses livrinhos de bolso
que costumavam me entreter na porta do cinema
com o meu bilhete na mão suada
da ansiedade de fugir desse mundo
sem moinhos nos cartões postais
como nos calendários da minha infância
sem umbigos de loiras e toda aquela
perversidade momentânea
que costuma assaltar
pobres homens como nós
Homens tristes com seus livrinhos de bolso
Homens paralisados
frente ao irremediável
Com suas vidas tristes
e sem solução
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