FERREIRA GULLAR
nasceu José Ribamar Ferreira no dia 10 de setembro de 1930, em São Luís do Maranhão.
Inicialmente, sua poética foi relacionada ao grupo de intelectuais brasileiros
conhecido como Geração de 45,mas ao longo de sua produção desvinculou-se de
rótulos e desafiou a permanência nas categorizações literárias.
Seu primeiro livro, A luta corporal, de 1954, foi
identificado com as propostas concretistas, mas o experimentalismo sempre
esteve presente na produção de Gullar. Criou o movimento neoconcreto em 1959. Ao
lado do artista plástico Amílcar de Castro (1920-2002), do escultor Franz
Weissmann (1911-2005), da pintora e escultora Lygia Clark (1920-1988), da
escultora e artista multimídia Lygia Pape (1927-2004), do jornalista e poeta
Reynaldo Jardim (1926-2011) e do poeta e crítico de arte Theon Spanúdis
(1015-1986), assinou o manifesto publicado no Jornal do Brasil em 22 de março de 1959, onde afirmavam que “a arte
neoconcreta reafirma a independência da criação artística e face do
conhecimento (ciência) e do conhecimento prático (moral, política, indústria,
etc.)”. É dele, também, o manifesto Teoria
do não-objeto; juntos, fazem parte da história da ate brasileira, em que
acentua as suas idéias sobre a prática da poesia. Em 1969 escreveria o vigoroso
Vanguarda e Subdesenvolvimento,
ensaio com fundo dialético para a sociologia e a arte.
Nesta nova fase,
ingressou no Centro de Cultura Popular (CPC) da UNE e, quando sobreveio o golpe
militar, em 1964, foi processado e preso na Vila Militar. Depois, passou à
clandestinidade e, em seguida, ao exílio, também clandestinamente – foi para
Moscou, depois para o Chile, Lima e Buenos Aires. Na capital argentina escreveu
Poema Sujo, traduzido e publicado em
várias línguas e países.
De volta ao Brasil,
publicou Antologia Poética (1973), Uma luz do chão (1978) e, em 1980, Na vertigem do dia; voltou a escrever
para a imprensa do Rio e de São Paulo e discutiu a arte contemporânea em dois
livros, Etapas da Arte Contemporânea
(1985) e Argumentação contra a morte da
arte (1993). Seu último livro de poemas foi Muitas Vozes (1999).
Gullar também
escreveu poemas em forma de cordel e textos para o teatro. Foi um dos
fundadores do Teatro Opinião, espaço de resistência democrática ao regime
militar. Com Oduvaldo Viana Filho escreveu a peça Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come (1966); com Armando
Costa e A. C. Fontoura, A saída? Onde
fica a saída? (1967) e Dr. Getúlio,
sua vida e sua glória (1968), com Dias Gomes. Em 1978, editou a peça Um rubi no umbigo.
Além da poesia (sua
atividade fundamental, como ele mesmo afirmava), do teatro e dos ensaios,
publicou crônicas e traduções, como Ubu
Rei, de Alfred Jarry (1972) e Cyrano
de Bergerac, de Edmond Rostand (1985). Recebeu os principais prêmios de
literatura; em 2002, foi indicado ao Nobel de Literatura e, em 2014, ocupou a
cadeira nº 37 da Academia Brasileira de Letras (ABL). Em 2000, a José Olympio
publicou Toda Poesia para celebrar os
70 anos do poeta. Faleceu no Rio de Janeiro, em 4 de dezembro de 2016.
Para 2021 está
prevista uma biografia do poeta, escrita pelo crítico literário Miguel Conde,
quando também será editado um novo volume com toda a obra poética de Gullar. Também
será publicado o livro As muitas maneiras
de dizer “Eu te amo”, organizado pela viúva do poeta, Cláudia Ahimsa, com
uma série de artes feitas por ele. Material inédito, em forma de apontamentos
da juventude, reunidos em cinco cadernos manuscritos, foi revelado pela
família, e deve ser editado juntamente com a editora Maria Amélia Mello, que
acompanhou o poeta pela maior parte de sua carreira.
A ALEGRIA
O
sofrimento não tem
nenhum
valor
Não
acende um halo
em
volta de tua cabeça, não
ilumina
trecho algum
de
tua carne escura
(nem
mesmo o que iluminaria
a
lembrança ou a ilusão
de
uma alegria).
Sofres
tu, sofre
um
cachorro ferido, um inseto
que
o inseticida envenena.
Será
maior a tua dor
que
a daquele gato que viste
a
espinha quebrada a pau
arrastando-se
a berrar pela sarjeta
sem
ao menos poder morrer?
A justiça é moral, a injustiça
não.
A dor
te
iguala a ratos e baratas
que
também de dentro dos esgotos
espiam
o sol
e no
seu corpo nojento
de
entre fezes
querem estar contentes.
* * *
NÃO HÁ VAGAS
O preço do feijão
não cabe no poema. O preço
do arroz
não cabe no poema.
Não cabem no poema o gás
a luz o telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão
O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos.
Como não cabe no poema
o operário
que esmerila seu dia de aço
e carvão
nas oficinas escuras
– porque o poema, senhores,
está fechado:
“não há vagas”
Só cabe no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço
O poema, senhores,
não fede
nem cheira
* * *
FALAGENS
I
onde
a flor
é
lampejo
e a
água
é
ninfa
líquida
quem
ali
disfarçado
foge
na folhagem?
a
moça
na
folhagem?
desfeita
na
brisa?
Oculta
na
corça?
a
vertigem na poça
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